De existencialismo e de introspeção foi feito este serão no Musicbox, como só podia ser numa sala cheia de juventude inquieta com a infinitude do cosmos. Calmness e Dispirited Spirits têm um enorme talento para mostrar a quem quiser ficar para ver.
A plateia ia-se compondo, entre a conversa e a expectativa dos dois concertos que tomariam o palco não tardava. A noite seria do rock, do espaço sideral e das dores de crescimento e estava a cargo de Dispirited Spirits, persona musical de Indigo Dias, e de Calmness, projecto de Gui Galão, a quem cabia a primeira parte.
As luzes do Musicbox alinharam-se e aqueceram a chegada discreta de Calmness e respetiva banda, que silenciosamente se posicionaram e começaram a tocar. Foi com “Estão prontos para o rock e para a tristeza?” que abriram as hostilidades com o público, depois de uma versão rock, nas palavras de Gui, de “pretend”, a primeira faixa do seu último álbum don’t ask if i’m okay. Na verdade, todo o alinhamento, composto maioritariamente por músicas desse mesmo álbum, acabaria por ser marcado por uma abordagem emo rock, o que adicionou algum peso ao tom indie folk e mais leve daquilo que se pode ouvir nas versões gravadas. As letras introspetivas sobre o desamor e as dores de alma ganhavam, assim, uma nova dimensão e fundiam-se mais organicamente com o ato seguinte.

Com os amigos na primeira fila cheios de amor para dar, Calmness aproveitou a boa energia que pairava no ar e dinamizou a apresentação em palco, ora com banda, ora a solo e de guitarra semi-acústica ao peito – o que ficou muito bem a “twin flame” e a “clairvoyant” –, chegando mesmo a fazer conversa relaxada enquanto afinava a guitarra, denotando a novidade e proximidade que sentia ao estar ali. Concordando que astrologia é um bom tema de conversa e até nos apresentando a mãe, ficou claro que o seu círculo de amigos crescia esta noite. Sempre preocupade com uma interação calorosa com a plateia, que lhe respondia na mesma moeda, Calmness apelou a que se fizesse um pequeno coro antes de tocar “2016 tour cd” e sentiu-se suficientemente bem recebide para tocar um tema novo, a que chamou “Watching TV”.
A única faixa do álbum de 2017, Lavender, a soar foi “Falling out of Love” e houve ainda espaço para covers, com uma transição de “Safe In Your Skin”, de Title Fight, para “How Does It Feel?”, dos Citizen. A noite terminou em bom com “don’t ask if i’m okay”, cantada por todos os que na sala lhe conheciam a letra. Era clara a gratidão pela quantidade de gente presente e cuidadosamente atenta, sendo muitos os aplausos de um lado e os agradecimentos do outro. Era hora de passar o testemunho ao universo de Dispirited Spirits, que lidaria agora com uma audiência confortada por esta abertura tão sentimental quanto pesada.

Havia uma certa curiosidade da nossa parte para ver como soaria ao vivo a música de Indigo Dias, uma vez que ambos os álbuns foram integralmente – e surpreendentemente – gravados por si, sozinho no quarto. Entrou em palco com mais quatro músicos (António Sousa, João Garcia, João Machado e Diogo Abreu), sem grande alarido, e um saxofone anunciou o início do concerto. A plateia, agora consideravelmente mais composta, foi invadida pelo rock cósmico de “Ships Sailing Space”, ao qual o desenho de luzes também adicionou profundidade, além de contribuir para o ambiente catártico crescente.
Ainda que este fosse um concerto de apresentação do disco The Redshift Blues, lançado em março deste ano, ouviram-se também, intercaladamente, faixas do primeiro álbum, Fragments of a Dying Star, de 2021. “Methanol Fire” e “Light Years Away, Pt.1” são músicas onde se ouvem bem as inspirações estilísticas do artista, que vão desde o jazz ao math rock, passando pelo neopsicadélico, e foi com “Bring Down the Sky” que o público levantou os braços e os isqueiros para entrar fisicamente na paisagem astronómica construída ao longo de todo o set.
Grandes aplausos separaram a última música do encore, que começou com Dias e o guitarrista em palco, para tocar “Sirius’ Theme”, e que depois teve direito à presença de toda a banda para a explosiva “Redshift Blues”. De existencialismo e de introspeção foi feito o serão, como só podia ser numa sala cheia de juventude inquieta com a infinitude do cosmos, esse assunto tão querido de Dispirited Spirits, que lida da melhor forma que sabe – com texturas sonoras que bebem de todos os lados e com letras que transbordam questionamento.
A noite da quinta-feira passada foi uma de enorme talento e magistrais atuações e, por momentos, fez-nos crer que as ânsias e a curiosidade dos sonhadores podem caber dentro de quatro paredes.
Setlist Calmness:
- pretend
- Falling out of love
- angel
- twin flame
- Safe In Your Skin
- How Does It Feel
- clairvoyant
- Unreleased
- 2016 tour cd
- don’t ask if im okay
Setlist Dispirited Spirits:
- Ships Sailing Space
- Negatives of the Moon
- Reverie
- Methanol Fire
- Former Living Thing
- Light Years Away Pt.1
- Bring Down the Sky
- Sirius’ Theme
- Redshift Blues
Fotografias cedidas por Beatriz Pequeno