A Lisboa dos anos 80 está em livro. E lá dentro há música e noite.
“O rock em português e o escândalo das Amoreiras. Um anfitrião misterioso, um jornal sem limites e uma nova classe de poder. A Lisboa dos anos 80 é uma cidade onde tudo parece possível”. Deste modo, está apresentado “LX80”, terceiro tomo – após o retrato das décadas de 60 e 70 -, de um passado lisboeta que muitos recordam com nostalgia. Pedro Fernandes e Joana Stichini Vilela são os autores e a segunda falou com o Altamont sobre a música da capital.
Enquanto estudiosa de outras décadas e enquanto espetadora atual e em anos recentes de concertos ou outras atividades: que salas existiram e foram mais carismáticas e, achas, fazem mais falta nos dias de hoje? Salas emblemáticas como o Rock Rendez-Vous (RRV) teriam lugar nos dias de hoje – ou ficam melhor lá atrás, guardadas na memória de quem as frequentou?
Sabes que para mim não faz muito sentido essa ideia do desapareceu e faz tanta falta. Há exceções, sim. Mas, por natureza – e ainda mais depois de ter passado quase seis anos a olhar para o passado para fazer estes três livros – sou mais virada para o presente do que para a nostalgia. Ainda mais em relação a uma área como a música e as salas de espetáculos. Nos anos 60 o Monumental e nos anos 80 o RRV foram espaços que concentraram em si movimentos culturais populares, especificamente relacionados com o rock português e, em alguns casos, em português, e que fizeram sentido na altura tal como hoje tens espaços como a ZDB e o Musicbox. A grande diferença para os dias de hoje é a variedade e a abundância. O RRV foi a sala emblemática do movimento do rock português dos anos 80 – e provavelmente a única com expressão e peso suficientes para hoje ser recordada. Claro que também eu gostaria de lá ter ido e também de ir assistir aos concursos de ié-ié no Monumental, mas parece-me que terá mais a ver, não com o espaço, mas com aquilo que lá acontecia: pequenas revoluções; muita energia, autenticidade, vontade; a sensação de estares a fazer não só parte de alguma coisa mas também de estares a mudar alguma coisa. Nunca houve tanta oferta cultural como hoje. São raros os casos em que tens de ir a Londres ou a Paris para ver uma banda tocar, como acontecia no passado. Por outro lado, é tudo mais disperso, mais comercial, menos sentido talvez. Ganhas em disponibilidade, perdes em intensidade. É uma das coisas que aprendes a olhar para o passado: não se pode ter tudo. É pena.
Nos teus livros, pergunto-te também, qual é o fio condutor que une as várias décadas?
A cidade. Lisboa. Um organismo vivo, dinâmico, que se vai transformando sempre sem nunca perder parte do que foi.
Num eventual livro sobre a Lisboa dos últimos anos, o que imediatamente te salta na cabeça como de imprescindível presença – seja salas, ambientes, dinâmicas, outras atividades?
Faço muitas vezes este exercício. Quanto mais próximo mais difícil. Além de que nestes livros tento sempre que sejam histórias com uma ligação forte à geografia em que acontecem – regra com várias exceções. Assim de repente, os movimentos da Flor Caveira e da Amor Fúria podiam fazer parte de um ‘Lxaughties’. O Luís Montez e o Álvaro Covões, enquanto senhores dos concertos e festivais. Toda a transformação do Cais do Sodré, a todos os níveis, com muitos focos de interesse, desde o Musicbox à Pensão Amor, e o que representam estes sítios em relação à nossa forma de viver a cidade. O boom no turismo, claro. O Vhils e a institucionalização da arte de rua – a arte de rua que por sua vez daria um bom tema para um Lx90, a par com o rap português. Personagens como a Catarina Portas numa onda de pacificação com e apropriação do passado – uma tendência muito forte na cidade nos últimos anos. A Joana Vasconcelos também, na onda de capitalização da tradição. O fenómeno dos chefes – escolheria o José Avillez, um prodígio, que aos 30 e tal anos tem cinco restaurantes no Chiado, um dos quais com 2 estrelas michelin (o primeiro em Lisboa) e agora o Bairro do Avillez. A tensão entre estilo e conteúdo, que faz muito parte dos nossos tempos: difícil destrinçar entre o que é só estilo e o que também tem conteúdo. O Ricardo Araújo Pereira, claro. Os escândalos financeiros, com o BES à cabeça. De certeza que me estão a escapar muitas coisas. Uma ideia fica: posso estar enganada mas parece que é difícil ser rebelde no século XXI.