Depois de dois EPs, Ana Lua Caiano chega, finalmente, aos Longa Duração, Vou Ficar Neste Quadrado, ou a consagração de Ana Lua.
Apesar do nome do novo disco de Ana Lua Caiano, Vou Ficar Neste Quadrado, podemos afirmar com convicção que não é uma característica da jovem artista. Ana Lua entra e sai de vários quadrados com leveza, mas afirmando-se em todos eles: o quadrado da música electrónica, o da música tradicional portuguesa, o das letras incisivas, e o da criatividade.
Já nos dois EPs já editados pela artista, Cheguei Tarde A Ontem (2022) e Se Dançar É Só Depois (2023) era possível antever o sucesso que ia, e ainda vai, alcançar. Lembro-me de enviar algumas canções para amigos e dizer-lhes “esta miúda vai ser grande”, parece que não me enganei. Estes dois últimos anos foram cheios de concertos ao vivo, em Portugal e no estrangeiro (no Eurosonic e no Transmusicales. por exemplo), entrevistas e artigos, parecia que, para onde quer que nos virássemos, estava a Ana Lua Caiano.
Tudo isso nos trouxe ao dia de hoje, com o lançamento do seu primeiro LP, pela editora alemã Glitterbeat Records. Aquilo que Ana Lua Caiano faz com alguns instrumentos e a sua voz é especial, a fórmula não é nova, já alguns antes dela misturaram música eletrónica com sons tradicionalmente portuguesas, mas aqui o resultado é diferenciado.
Musicalmente o disco vive de repetições, harmonias, batidas, loops e samplers, o que é uma discrição simplista daquilo que ouvimos nas doze faixas do disco, a verdade é que todas estes elementos se entrelaçam e formam músicas fortes, sobretudo quando pensamos que é uma única pessoa a reger tudo: o teclado, a loop station, o bombo, o tradicional brinquinho da Ilha da Madeira, copos, chaves ou caixas com feijão, basta ver Ana Lua Caiano em palco para ver a magia a acontecer, a sua música também merece ser vista.
As letras, essas, já não apresentam a falsa simplicidade da música, como tem acontecido nas edições anteriores. A cantora e escritora de canções compõe sobre reflexões e observações acabando por muitas vezes, agir criticamente nos hábitos e vícios da nossa sociedade. Como por exemplo, “O Bicho Anda Por Aí” em que cada um de nós pode dar corpo ao bicho que mais tememos: “Não coces a cara, nem os teus cabelos/Que, ai, o bicho, anda por aí) ou “Vou Ficar Neste Quadrado”, que dá nome ao disco, e nos remete para a inércia de muitos “Mas tu queres que eu não saia daqui mais/Sendo assim eu fico aqui a ver o que me dás”. O liricismo e a voz de Ana Lua Caiano acabam por funcionar como mais um instrumento entramelado nos outros, sobretudo à conta de aliterações e sussurros.
Por último, deixem-me salientar que este disco tem um elemento que é um dos meus pequenos prazeres: prelúdio e poslúdio, “Em Direção ao Sul” e “Bom, Vai Ficar Assim Por Hoje”, respectivamente. Ainda que, para os devidos efeitos, o disco termine com uma versão ao vivo de ” Deixem O Morto Morrer”
Vou Ficar Neste Quadrado está disponível a partir de hoje nas plataformas digitais (também em vinil e CD no Bandcamp da artista), e atreve-se a ser um dos discos do ano. Ana Lua irá apresentar o disco em concerto no próximo mês, nos dias 5 de Abril, no Plano B no Porto, e 11 de Abril, no B.Leza em Lisboa.