Yeti é um monstro sonoro que precisa de amigos. É, igualmente, uma explosão de sons, um cardápio de experimentalismo musical, um festim psicadélico e um banquete de drogas lisérgicas.
Já todos sabemos a história do rock alemão e do como o kraut foi ganhando, aos poucos, credibilidade na sua terra natal, ao contrário do que aconteceu na Europa e nos Estados Unidos, territórios onde o apreço por esse novo som foi quase imediato. Na verdade, o krautrock surge porque a juventude com vontade de fazer música encontrava-se num beco sem saída, espreitando assim, por via de experimentalismos vários, uma nova fórmula sonora. Para isso, a inspiração de muitos foi fundamental, e aos poucos algumas das bandas que melhor vieram a representar esse novo rock alemão foram ganhando forma, construindo uma identidade própria, embora resultante também de elementos tão tradicionais e díspares como a ópera (ouça-se a brevíssima “Gulp a Sonata”, neste Yeti), alguma inspiração irlandesa (“Flesh-Coloured Anti-Aircraft Alarm”, em breves momentos instrumentais), a cultura hippie e o folk britânico (“She Came Through The Chimney”), bem como os Pink Floyd, os Velvet Underground, os Jefferson Airplane, entre outras tantas e tão diferentes referências.
Os Amon Düül II viviam numa pequena comuna, embora nem sempre na maior das tranquilidades. Diz-se, e esse propósito, que circulavam revólveres pelos músicos durante a gravação do álbum Carnival in Babylon, saído dois anos depois de Yeti. A diversidade de interesses dos membros da banda, a pouca idade dos mesmos e o uso e abuso de LSD e outros ingredientes afins, agitou-lhes as ideias e os pensamentos, pelo que não é de estranhar o (delicioso) emaranhado de estilos, estados de alma e ritmos que podemos testemunhar naquele que foi o segundo álbum da banda surgida dos Amon Düül, grupo com interesses artísticos e políticos bem definidos. Depois do parto que deu origem à separação da família Düül, Peter Leopold, Renate Knaup, John Weinzier, entre outros, fizeram-se ao caminho, entrando decisivamente para a história maior do rock alemão. Para muitos, Yeti foi o seu maior feito, embora Phallus Dei (1969), Tanz Der Lemminge (1971), o já referido Carnival in Babylon e Wolf City (1972) sejam, todos eles, extraordinários.
Yeti é um álbum duplo, sem conceitos claros, parecendo ter sido construído pelo prazer de tocar música, de explorar ideias e conceitos, de procurar vias sonoras divergentes daquelas que mais se ouviam naquele tempo, de encontrar uma identidade própria. Vai do mais puro rock psicadélico repleto de estridentes guitarras, à mais profunda improvisação, passando por tribalismos sonoros e por viagens alucinadas pelo espaço interior de cada músico participante. É, por que não dizê-lo, uma orgia total, completa e suculenta.
Os destaques, num trabalho tão díspar e tão coeso ao mesmo tempo, têm de ir forçosamente para a rockeira “Archangels Thunderbird” (a minha preferida), “Burning Sister”, “Halluzination Guillotine”, para a enorme “Yeti”, com os seus mais de 18 minutos de extensão e improvisação, e para “Yeti Talks To Yogi”, outro improvisado tema, este mais atmosférico e espacial, quase a encerrar o disco. No entanto, não se julgue que as outras faixas do disco são de menor qualidade ou consistência. São ótimas, todas elas, como é igualmente ótimo este Yeti que precisa de ser mais conhecido, sobretudo pelas mais novas gerações de amantes de boa música.
Uma última nota para a capa de Yeti, bastante conhecida por todos os admiradores de um certo estilo de música mais underground. É um tributo post mortem feito por Falk Rogner (teclista do grupo) em honra de Wolfgang Krischke, homem ligado ao som da banda e que com ela trabalhava assiduamente, que acabou por morrer de hipotermia após ter consumido uma boa dose de LSD. Nela consta uma imagem do falecido Krischke, representando a personificação da morte (“Der Sensenmann”, como dizem os alemães), tornando-se, ao longo dos tempos, numa imagem verdadeiramente icónica.