Era uma vez quatro amigos, que decidiram formar uma banda para dar concertos com o objectivo de financiar uma viagem à costa Oeste dos Estados Unidos. Assim começaram a tocar todos os meses, primeiro n’A Barraca depois na Casa Independente, primeiro a fazer versões das suas próprias bandas, depois também com músicos (por exemplo, Samuel Úria, Peixe, Nuno Prata, Frankie Chavez, Ana Bacalhau, JP Simões, membros dos YCWCB, entre muitos outros). Passados quatro anos, estes quatro amigos acabam de lançar o disco de estreia, com um total de dezassete convidados e quinze músicas, um regalo para os ouvidos e um serviço inestimável, que dá total sentido ao conceito – a música portuguesa a gostar dela própria. Os They‘re Heading West são Mariana Ricardo (Minta & The Brook Trout, Silence Is a Boy, Domingo no Quarto), Sérgio Nascimento (baterista de múltiplos serviços, desde Deolinda, Sérgio Godinho, Humanos, David Fonseca), Francisca Cortesão (Minta & The Brook Trout) e João Correia (TAPE JUNk, Julie & The Carjackers). Sentámo-nos para conversar com os dois últimos, para saber mais sobre o álbum homónimo, acabado de editar, já disponível no site da Pataca Discos
O disco acaba de sair, mas antes da edição deram dois concertos de apresentação. Que tal foram?
João Correia (J): Foi incrível, não estávamos nada à espera que a primeira noite esgotasse. Foi muito bom, os convidados que foram, temos alta ligação com eles todos, ainda conseguimos atrever-nos a experimentar umas coisas diferentes do que tínhamos feito com eles no disco, o Afonso [Cabral, dos You Can’t Win, Charlie Brown] acabou por cantar uma música da Francisca e uma música da Mariana [Ricardo], ele no disco só canta o “Buzz” e estivemos a experimentar isso para o concerto e ficou muita fixe. E ao vivo é alta cena porque conseguimos tocar todos juntos, conseguimos tocar duas músicas todos juntos, que é coisa que também não acontece no disco, e foi muito porreiro, foram duas noites que não vou esquecer de certeza.
Contem-me sobre a feitura deste disco. Há 4 anos, quando começaram com esta “brincadeira”, achavam que passados uns anos iam estar a fazer um LP?
Ambos: Não!
Francisca Cortesão: Não de todo. Aliás, isso passou-me pela cabeça no outro dia – quando estávamos a fazer a segunda data, a primeira completamente esgotada, a segunda bastante cheia – com aquela gente toda à volta a tocar aquelas músicas todas, isso passou-me pela cabeça. Não era de todo isto que tínhamos pensados, isto nem sequer era bem uma banda quando começou, era mesmo uma brincadeira, damo-nos bem, se calhar vai ser divertido fazer uma viagem a tocar as músicas uns dos outros, e acabou aí, era essa a conversa em 2011. Entretanto aqui estamos, portanto não, acho que nenhum de nós estava a contar com isso, mas estamos todos igualmente felizes por as coisas terem desembocado aqui, mas não foi um plano muito pensado, as coisas foram mesmo acontecendo.
Chegaram a certa altura e viram que a “brincadeira” já está um bocado mais séria.
F: Sim, certamente.
J: Mas nós continuamos a fazer com a mesma atitude. É curioso, o próprio disco, nós só decidimos o que é que íamos fazer a meio da última tournée nos Estados Unidos, porque a Xica tinha reservado estúdio em Anacortes (Washington) e nós sabíamos que íamos lá dois dias gravar mas não sabíamos o quê. E lembro-me de estar na viagem a pensar “fogo, devia ter trabalhado mais em músicas, experimentar coisas novas” mas a verdade é que também não ia fazer muito sentido irmos para lá tocar músicas que se calhar tínhamos escrito em casa e íamos experimentar todos juntos, acho que não era o local para…não era a altura certa para estar a fazer isso, é uma coisa que nós fazemos bem na sala de ensaios, mas estar ali no estúdio a gravar, sem saber o quê, ia ser…
F: Nós a certa altura estávamos a pensar, quando voltámos dos Estados Unidos pela primeira vez – nós fomos em 2011 pela primeira vez – e quando voltámos estávamos naquela “afinal, isto é uma banda”, então se calhar devemos fazer músicas todos juntos. E chegámos a tentar, mas rapidamente percebemos que isso também não é bem o caminho mais interessante. Há músicas neste disco que nunca tinham sido editadas e para todos os efeitos são desta banda, o “Kind of Nelson”, o “Random Nelson”, o “Old Habits” é uma música minha que aparece aqui pela primeira vez mas também vai fazer parte do próximo disco de Minta. Mas acho que a ideia principal não é essa, nós começámos como banda de versões de nós próprios, continuamos como banda de versões de nós próprios e dos convidados e finalmente na Califórnia, no Verão passado, fez-se luz que o nosso primeiro disco devia mostrar isso. Não é o disco das canções que nós escrevemos em casa e depois experimentámos os quatro, é o disco do nosso património comum.
J: E se não gravássemos o disco, há ali músicas que poucas pessoas iam saber o que é que tinha acontecido com os convidados, porque nós fazemos aquilo numa noite só, em Lisboa, e vêm os convidados fazer o concerto connosco, para as pessoas que estão ali, naquele dia, e depois não há registo, não há mais nada. E o facto de termos ido para o estúdio gravar aquilo foi muito importante, regista mesmo o que se passou nestes últimos anos. O disco faz muito sentido por causa disso.
Mas neste disco também há convidados a tocar músicas que não são deles.
F: Sim, o Nuno Prata toca baixo numa música da Mariana, porque isso aconteceu logo da primeira vez que ele veio tocar connosco, nós mandámos-lhe umas quantas músicas nossas para ele ouvir e acho que foi a primeira que ele resolveu que queria tocar, que foi o “Sunday is a Common Day”, da Mariana, e que não tinha baixo. E ele inventou uma linha de baixo e nós adorámos e foi das primeiras coisas, quando nos ocorreu gravar um disco com as versões, das primeiras que pensámos foi gravar o “Sunday” com o baixo do Nuno Prata. A mesma coisa em relação às guitarras que o Peixe fez, tanto no “Future Me” como no “Random Nelson”, quando veio tocar connosco a Lisboa. O Afonso Cabral dos YCWCB canta uma música do João Correia, o Bruno Pernadas toca guitarra numa música minha. A Ana Moura canta a música do Samuel Úria.
Portanto vocês baralham a coisa, prestando um serviço interessante – quase serviço público – à música portuguesa, juntam músicos que podem não ter nada a ver uns com os outros e que passam a ter ali um terreno comum.
F: Sim. A intenção de nós fazermos concertos com convidados começou por uma questão muito prática, nós queríamos financiar uma ida à América através de concertos, não ia ser só num concerto que íamos conseguir fazer isso, e quando pensámos tocar todos os meses pensámos quem é que iria todos os meses ver uma banda desconhecida, e daí os convidados. Portanto a nossa intenção no início foi aproveitar para tocar com pessoas de cuja música nós gostamos e nem sequer era ideia juntarmo-nos às músicas deles, isso começou a passar-nos pela cabeça acho que foi com o Old Jerusalem, do Porto, e acho que terá sido sugestão dele, já que vinha sem banda, perguntou se não queríamos tocar umas músicas. E aí é que percebemos que era estúpido, estar a chamar estas pessoas para tocarem connosco e não aproveitarmos. E a partir daí, só não o fizemos quando não foi mesmo possível, mas foram mais as vezes em que cruzámos repertórios. Portanto, se isso acaba por funcionar como serviço público como dizes, tanto melhor, mas a nossa intenção não é assim tão nobre (risos). Nós gostamos mesmo muito de tocar juntos, gostamos de tocar as músicas dos outros e acho que ao longo destes anos fomos criando uma linguagem os quatro, já temos uma identidade tão forte os quatro que nos é muito fácil pegar em músicas de outras pessoas e tocá-las. E soa assim, também porque a nossa instrumentação é muito limitada e temos poucos recursos mas aprendemos a fazer-nos valer deles. E acho que o território comum entre músicas e convidados que podiam ser tão díspares vem um bocado daí, a coerência vem um bocado do nosso minimalismo, que mais uma vez surgiu por uma razão prática. A nossa instrumentação foi pensada para caber tudo na mala de um carro, e cabe!
Vocês sentem que este disco possa ser uma espécie de fechar um ciclo – desde 2011 quando nasceram até estarem aqui, com um disco editado, cheio de convidados. Acham que pode ser o fechar um capítulo e abrir outro?
J: Eu não pensei nisso, de todo.
F: Eu também não. Aliás, se nós quiséssemos… Este já é um disco longo, para os meus padrões, tem 15 músicas e nós mesmo assim acho que gravámos 18. E podíamos ter gravado 30, escolhemos estas mas há muitas mais, isto até podia ser um disco duplo. Mas acho que nós não pensamos nisto como o fim de nada, é o início de alguma coisa. É uma fotografia boa daquilo que nós temos vindo a fazer até agora, mas acho que não fecha nada, antes pelo contrário. E é um privilégio desgraçado nós termos convencido 17 pessoas a participar no nosso disco de estreia, isso é muito fixe, e também é muito fixe pensar que estas músicas que lá estão já tinham acontecido nos concertos, não foi do género estarmos a gravar as músicas e a pensar que seria giro ter este ou aquele a cantar ou a tocar. Já tocou aquela música connosco, já tinha feito aquilo, na gravação só relembrámos coisas que fomos fazendo ao longo de 4 anos de concertos. Por ser gente com quem já tínhamos trabalhado, pode ser visto um bocado como retrospectiva, mas nada neste disco me faz olhar muito para trás, acho que isto é, se calhar, nós a apresentarmo-nos finalmente a um público que não é o público que ai à Casa Independente todos os meses, a nossa esperança também é um bocado essa, a partir do momento em que temos o disco, ir tocar a mais sítios, porque nós ainda não fizemos muitos concertos fora de Lisboa, e isso é uma das coisas que nós queremos fazer.
Daqui para a frente, não sei se já pensaram a mais longo prazo – manter este formato, começar a criar canções de raíz de They’re Heading West?
F: Eu acho que tudo é possível, em relação a esta banda o melhor é não fazer grandes previsões porque, como dizíamos há bocado, quando isto surgiu não nos passou pela cabeça que nesta altura estivéssemos a lançar um disco com 15 músicas e 17 convidados e que entre os convidados estivesse a Ana Moura e a Capicua e o JP Simões. Nada disto era previsível até há muito pouco tempo atrás, portanto acho que não vale a pena fazer futurologia, eu pelo menos engano-me sempre. Acho que tudo é possível, fazermos músicas em conjunto – embora isso não tenha acontecido muito até agora – é provável que continuemos a fazer sessões com convidados, porque isso faz parte daquilo que nos caracteriza, como ir aos Estados Unidos tocar, ou termos uma bateria pequena e caber tudo na mala do carro. Já faz parte o facto de tocarmos todos os meses e tocarmos músicas de outras pessoas. Acho provável que voltemos a ir aos Estados Unidos.
Pois, queria saber isso. Já têm planos para uma próxima viagem?
J: É quando conseguirmos.
F: Pois. Como isto é em modo “faça você mesmo”, é quando você mesmo conseguir reunir os fundos para o fazer. Com sorte, será algures em 2016.
E vão à mesma zona ou desta vez “they’re heading east”?
F: Vamos ver. Há um lado que nos puxa para a mesma zona, porque a segunda vez foi muito mais fácil que a primeira, e há contactos que vamos fazendo e voltando aos mesmos sítios, se calhar temos essa vantagem. Por outro lado, também gostávamos de conhecer outras coisas. Mas acho que há tempo para tomar essas decisões. Nós divertimo-nos mesmo muito, tanto duma vez como doutra. Desta segunda os concertos foram melhores, porque tocámos com bandas de lá, e era fixe conseguir isso da próxima vez. Mas dá sempre para passear e ver sítios novos, mesmo quando os concertos não são geniais. Aliás, quando os concertos não são geniais, dá sempre histórias para contar, dá para o Joca fazer músicas.
Portanto, o futuro desta banda é um livro aberto, mas sabendo que não há a hipótese de agora ir cada um à sua vida? Já foram aos Estados Unidos duas vezes, fizeram o disco, mas não vão deixar isto de lado e voltar cada um às suas bandas?
F: Isso era um bocado tolo.
J: O próximo passo é marcar um ensaio. E depois vemos o que é que ensaiamos, e vemos o que é que vai surgindo. Depois vamos almoçar, que também é uma parte importante desta banda, e durante o almoço provavelmente vamos ter uma ideia qualquer sobre o que é que nos vai apetecer fazer no mês a seguir, e quem é que vamos convidar e as coisas vão surgindo.