Um novo ano a saber a Inverno trouxe-nos o segundo trabalho dos Capitão Fausto, que nos conta histórias menos psicadélicas que os instrumentais. Os cinco rapazes largaram a “cave pequena e entalada” onde fizeram as músicas de Gazela e aproveitaram o retiro de um Verão para compor Pesar O Sol, sem pressas, nem horários, nem vizinhos. No próximo dia 6 de Fevereiro levam a sua jornada ao palco do Lux e no dia 22 ao do Hard Club. Mas antes de nos apresentarem as suas histórias em forma de música, quisemos explorá-las em tempo real e, por isso, passámos um fim de tarde à conversa com o Tomás, o Manuel, o Francisco e o Domingos.
Altamont: O que é que vocês faziam antes de serem os Capitão Fausto?
Capitão Fausto – Francisco: Para além da música, éramos alunos de liceu. Jogávamos à bola!
E continuam a jogar.
Francisco: Não, não. Péssimos. Sou a pior pessoa para jogar à bola. A gente organiza jogos para ir jogar futebol ao domingo.
Domingos: Temos uma equipa. Temos os Capitão Fausto Futebol Clube.
Ah. Tal como os Pink Floyd nos anos 70, também os Capitão Fausto têm uma equipa de futebol. Com equipamento e tudo?
Todos: Os Pink Floyd tinham uma equipa de futebol?!
Francisco: Como é que se chamava? Floyd FC?
Domingos: Nós temos os CFFC e o símbolo é uma gazela.
Tomás: Eu comecei a ter paciência outra vez para jogar futebol mais tarde do que os meus restantes companheiros e não tive direito a camisola. No entanto, sou considerado a arma secreta.
Manuel: O nosso CR7.
Domingos: Se alguma banda nos quiser desafiar, estejam à vontade.
Voltando à música – à vossa música. Como é que chegaram a esta fusão de melodias bonitas com letras pop?
Tomás: As melodias que nós fizemos, tanto para o Gazela como para este, foram melodias que saíram, ou que em ensaio surgiram ou que procurámos fazer. Mas de forma a ir buscar as sonoridades e referências que nós ouvíamos, e as letras que fazemos, neste caso que eu faço, são coisas que me apetece dizer, para acompanhar aquelas tais melodias que tu definiste como bonitas.
Francisco: Não é premeditado. Acho que as melodias e as letras vêm da musica que ouvimos ou estamos a ouvir na altura. Quem sabe daqui a dez anos so ouvimos punk rock dos anos 80 e fazemos um disco super barulhento com três microfones.
Tomás: Gravamos um “Deus Salve O Cavaco” ou um “Deus Salve O Presidente”.
Francisco: E vamos tocar à porta da Assembleia. Mas foi uma das razões pelas quais começámos a tocar juntos: éramos todos amigos, estávamos sempre juntos e ouvíamos música juntos.
E que música é essa que vocês ouvem?
Domingos: Essa é das perguntas mais difíceis. Acho que nós temos dois lados. Por um lado, e porque vivemos numa altura óptima para isso, procuramos muita música nova. E por outro lado, se calhar fruto do que os nossos pais diziam, ganhámos um gosto especial por procurar coisas que já foram feitas há imenso tempo e ainda não descobrimos. A nossa banda acaba por ser um reflexo disso. Tanto o disco novo como o antigo vão buscar coisas tanto recentes como antigas. E de variadíssimos géneros.
Tomás: O critério não anda muito em volta de géneros. Eu consigo ouvir Joy Division, a seguir ouvir uma música do Atom Heart Mother dos Pink Floyd e a seguir ouvir uma música dos Can, de Krautrock, e serem três universos completamente diferentes.
Francisco: E a dificuldade da pergunta é exponenciada a cinco!
Domingos: Posso dar uso, pela primeira vez, do meu curso numa entrevista? Nós em vez de estarmos a dizer bandas, estamos a explicar porque é que não dizemos bandas. Um senhor doctor chamado Montesquieu diz que a essência para não dar demasiado poder a um elemento é eles estarem em constante tensão. Assim todos estamos em tensão positiva, com todas as influências. E o resultado se calhar acaba por ser uma grande misturada de coisas e de várias bandas que nós não vamos dizer.
Francisco: Gostamos de Beatles.
E porquê o português e não inglês?
Tomás: A pergunta é ao contrário: porquê o inglês e não o português, se falo português?
Francisco: Não há que ter medo nenhum de cantar na língua-mãe, porque as pessoas nos vão entender melhor, vamos conseguir comunicar melhor as ideias e conseguimos se calhar também quebrar mais barreiras.
Mudanças do novo álbum para o Gazela? Já lá vão uns aninhos.
Francisco: Já lá vão uns aninhos… E já lá vão uns aninhos desde que gravámos o disco.
Manuel: O novo disco já gravámos há um ano e meio.
O novo disco está para sair há um ano e meio? Porquê só agora?
Domingos: Por várias razões.
Tomás: Atrasámo-nos a transformar aquilo num produto final e sobretudo a gravar vozes. Atrasámo-nos a decidir como é que o íamos editar e por onde. E desde que tomámos a decisão que se começou a planificar e cá está o lançamento final.
Francisco: Assim que acabámos de tocar – tocámos durante o Verão inteiro de 2012 com o Gazela – estávamos cheios de pica para fazer outro disco e fizemos outro disco. E fizemo-lo em duas semanas. Gravámos no mês a seguir, tudo no Verão de 2012.
Tomás: Aquilo que queríamos ter feito à primeira – e que depois percebemos que era completamente irrealista – era lançar o disco em Janeiro de 2013.
Domingos: E no meio disto também tivemos um ano cheio de concertos. Achámos que o Gazela ainda se estava a aguentar a si próprio. E mais do que isso, perguntaste “e o Gazela já lá vai algum tempo”, eu acho que essa diferença também se vai sentir no disco quando as pessoas o ouvirem. Enquanto que o Gazela era um conjunto de canções – é o primeiro disco de uma banda – fomos fazendo músicas e depois pusemos aquilo tudo lá para dentro. Neste disco, depois de para aí 40 concertos que demos num ano e qualquer coisa, começámos a encontrar mais a nossa identidade e aquilo que queríamos fazer. Pelo menos no próximo disco. Para outro poderá ser diferente.
E que diferenças é que sentem em relação ao que vocês tinham feito antes?
Manuel: Acho que é um disco menos frenético. E um bocado mais planante.
Tomás: Mais distendido. É como se agarrássemos em qualquer canção e a esticássemos de 2m30 para 5m50.
Francisco: São músicas que viajam por mais sítios, vão variando de dinâmicas, mas é um disco que ainda mantém uma certa força e peso.
Domingos: Se o Gazela era mais frenético, acho que este é mais enérgico. Mesmo que as músicas sejam mais longas, ele continua a manter, de certa forma, um formato de canção, mas é uma canção um bocado distorcida. Ela estende-se. Lembro-me de estarmos a fazer as músicas e o Tomás dizia sempre “nesta parte podíamos pôr isto o dobro das vezes”.
Porquê o nome Pesar o Sol?
Manuel: Pesar o sol é uma técnica que se usava – e que ainda há quem use – que com o Astrolábio se media a altura do sol para arranjar uma latitude. Nós chegámos a essa expressão e achámos que nos fez sentido, porque o disco tem toda essa coisa de viagem e de procurar direcção.
Domingos: E o próprio ano que nós tivemos também foi alta viagem. E aliás, a última coisa a ser feita – e foi para aí há um mês e tal – foi o nome do disco. E o sol também é universo e cosmos, e cosmos é fixe.
Mas a primeira música que se ouviu do novo álbum foi a “Célebre Batalha de Formariz”. Ouvi dizer que havia uma história gira por trás da canção.
Domingos: Pois, também já nos disseram.
Manuel: Nós fomos os derrotados da célebre batalha de Formariz.
Tomás: Mas por número!
Domingos: Basicamente o que aconteceu foi que, nas duas semanas em que estávamos a ensaiar o disco… cinco rapazes a ensaiarem…
Francisco: Tens de situar. Isto era no norte, no Minho, mesmo, mesmo isolados. Minho profundo.
Domingos: Então decidimos “bora aí a uma aldeia qualquer ver se apanhamos uma festa, daquelas da aldeia!” E por isso, acho que estávamos demasiado divertidos, alguns não saíram lá de casa nas melhores condições e quando lá chegámos estava uma grande festa com uma banda a tocar.
Tomás: Mas há que dizer que havia uma grande festa, um grande aparato, mas as pessoas não estavam a exteriorizar muito a diversão. Estavam com caras sérias e nós estávamos a exteriorizar muito. Aos saltos, a rir muito, a comprar muitas cervejas.
Domingos: E mesmo sendo português era estrangeiro na aldeia. E depois, infelizmente – ou felizmente, não sei – dois membros da banda, um deles está aqui e eu não vou dizer quem é (o outro já sabes quem é) resolveram subir ao palco e aconteceu daquelas cenas awkward que não gostava nada que acontecesse a ninguém – eu não faria isso – a banda parou de tocar. Ou seja, houve um foco de luz da aldeia toda para as duas pessoas que eu não vou dizer quem são. E basicamente zanga puxa zanga e demos por nós e estávamos no meio da praça.
Tomás: O público achou aquilo uma ofensa e defenderam a causa, de haver uma pressuposta falta de respeito à banda. Quando os dois elementos da banda desceram do palco o público começou a barafustar e houve uns empurrões. E depois a aldeia juntou-se toda!
Francisco: Nós estávamos tão divertidos que só nos apercebemos quando de repente tínhamos a aldeia toda a expulsar-nos. Fomos derrotados e batemo-nos em retirada.
Tomás: Mas aguentámos ainda um bom tempo. Cavámos trincheiras.
Domingos: E eles estavam lá todos, quase com forquilhas. E tochas!
Manuel: E ganhámos público em Formariz!
Planos para o futuro a nível de concertos? Vão tentar chegar ao estrangeiro? Há bandas psicadélicas como os Boogarins a cantar em português, neste caso do Brasil, a vingar lá fora.
Tomás: O nosso objectivo é tocar e nós tocamos onde nos pedem para tocar.
Domingos: Se der para ir para o espaço aceitamos.
Manuel: Nós vamos ser a primeira banda a tocar no espaço.
Domingos: Os Pink Floyd é que fizeram essa cena bué fixe. Quando houve a viagem à lua, os Pink Floyd acompanharam em directo a tocar.
Francisco: Nós vamos fazer isso quando o homem aterrar em Marte.
Domingos: Mas eu partilho uma bocado esta ideia. Nós agora fizemos uma digressão de dez concertos e chegámos à conclusão que ainda há muita coisa para fazer em Portugal. As bandas depois de tocarem festivais às vezes perdem a pica de ir tocar a sítios mais pequenos. E nós não perdemos isso. E os Boogarins são uma grande banda.
Tomás: Mais tarde ou mais cedo acabaremos por conseguir fazer qualquer coisa com os Boogarins.
Francisco: O nosso objectivo é fazer a nossa música chegar ao número máximo de pessoas possível. Gostamos de fazer música e de a partilhar. Se a pudermos partilhar com pessoas que têm vontade de ouvir música cantada em português, vamos ao Brasil, a Espanha e começamos a subir.
Tomás: O nosso principal objectivo é a Coreia do Norte. Na fronteira.
Domingos: Ainda causávamos uma… célebre batalha nuclear!