O Bombino estava cansado, nós também. A mente dele já estava um pouco turva, a nossa para lá caminhava. Tudo (quase tudo?) por causa dos carrosséis de guitarra que ainda ecoavam nos nossos ouvidos.
Entrámos duro, ele foi respondendo com a sinceridade de um Bambino (que tomava conta de um pequeno coto, que em tempos tinha sido uma ganza):
Altamont: Vens do Níger, no meio de todo o contexto cultural e político, tornaste-te naturalmente um activista. Quando é que decidiste “não vou pegar numa metralhadora, vou pegar na guitarra”?
Bombino: Entre 1995 e 1996, no Níger, havia paz. Em 1990 houve uma rebelião mas em ’95 houve um acordo de paz. Nessa altura muita gente vinha ao Níger, a Agadez, e gerou-se um determinado ambiente… para mim, há coisas que as pessoas não compreendem… Não há nada mais importante que a paz. É em paz que conseguimos construir, é com a paz que podemos fazer tudo… e então era bom, bom ambiente, muito quente… houve muito sofrimento entre 1990 e 1995. Quando houve os acordos de paz isso reflectiu-se nas pessoas. Estavam sempre em “soirées”, todas as noites [se tocava] guitarra. Por isso é como uma mensagem… Para mim é importante que as pessoas percebam – não há nada mais importante que a paz.
A: E achas que a guitarra é uma arma mais forte que a Kalash?
B: Sim, sim. A guitarra é mais poderosa que a Kalash, porque te fala. A guitarra é simplesmente feliz. Através da guitarra tu podes simplesmente falar ao teu inimigo. E mesmo que não tenhas nada a dizer-lhe, podes-lhe falar. A guitarra é a arma mais fácil de utilizar.
A: Vimos que tocas sempre com um sorriso… É essa paz que entra pela tua música?
B: Sim, sim, sim… Sabes, no deserto, quando tocas [a tua] música, para mim é o maior prazer…
O deserto precisa de paz. E como há deserto no Mali, no Níger, na Líbia, na Argélia.. e tu não desejas nada que não a paz… Esses povos merecem viver em paz. Acho que através da música podemos trazer a paz para toda a gente.
A: O teu último disco chama-se Nomad. Tu és nómada pela tua cultura e pelas circunstâncias (quando eras novo tiveste de ser nómada para fugir à guerra). Daí o nome do disco?
B: Sim, se quiseres podes atribuir-lhe esse significado…porque o disco foi escrito em Agadez e gravado em Nashville (risos). E sinto-me verdadeiramente Nómada a tocar a música dos nómadas… e é esse o encanto de Nomad.
A: Gostas de Black Keys?
B: Sim.. não os conhecia, não conhecia a música do Dan [Auerbach]. Mas quando ouvi, gostei. É rock. É um bom grupo.
A: Achas que a tua música é rock?
B: Para mim, sim, é rock-blues.
A: Toda a gente diz que é blues do deserto: “ele soa aos Tinariwen!”. Mas depois vejo o teu concerto e é rock do deserto, ska do deserto, blues do deserto.. existe uma música do deserto? Ou é só a música do Bombino?
B: Há uma música do deserto, sim. Porque o Bombino vem do deserto, pode inspirar-se no deserto. Para mim há grande inspiração no deserto, porque há os ritmos de tacambá, os ritmos de tundé… há ritmos que que ninguém conhece no mundo. São ritmos muito fortes. No deserto é preciso ritmos fortes, para dançar.. e com aquele espaço todo podes tocar com todo a tua força, porque não incomodas ninguém….
A: E tu fazes uma mistura entre essa música do deserto e o rock/blues dos EUA. Em disco é uma coisa, mas ao vivo é muito mais rock, há descarga de energia muito forte, e às vezes juntas o Ska da Jamaica. É uma mistura propositada? Sai-te assim?
B: Para mim.. eu adoro fazer essa mistura. Porque lá em baixo as pessoas ouvem o reggae de Bob Marley, a música do Jimi [Hendrix], dos Dire Straits… e eu aproximo-as disso, faço essa mistura de músicas, eles precisam disso… porque elas ouvem isso, ouvem reggae, portanto a minha imaginação é fazer essa mistura, sem mudar a música, porque a música não tem fronteiras.
A: Quem é o teu guitarrista preferido?
B: O Ibrahim dos Tinariwen.
A: Mas tu não ouves só música de África, dos Tinariwen, também ouves grandes guitarristas clássicos ocidentais…
B: Sim, gosto muito do Santana, e do guitarrista dos Dire Straits, para mim são bons artistas. Por vezes tu conheces um artista e dizes “Uau, como é que ele faz isto?”… porque estes tipos quando tocam são incríveis!
A: A tua música tem-nos levado sempre para o deserto (n.d.r. mesmo num concerto virado para o Tejo, acreditem…). Num próximo disco sabes para onde quererás ir? Mais Rock e Blues, ou mais deserto?
B: Bom, eu prefiro sempre o rock/blues do deserto. Porque as pessoas na Europa e EUA não conhecem este rock/blues do deserto. Já conhecem o rock, mas não conhecem a música do deserto. E eu acho importante continuar a mostrar-lhes a música do deserto. Europa e EUA merecem conhecer a música do deserto.
A: Preferes tocar ao vivo ou estar em estúdio a gravar? Em palco estás sempre contente, é uma comunhão tocar para pessoas…
B: Sim, sim, eu prefiro tocar ao vivo.
A: E preferes tocar para o teu povo ou para quem não conhece a tua música?
B: Eu adoro tocar para todo o alguém que me vem ver. Porque quem se desloca para vir cá, mesmo se não é da minha gente, e vem cá para ouvir, merece que lhe dê esta música.. Não é só para os tuaregues, a música é para o mundo inteiro, e acho que merece mudar o mundo.
A: É o povo da guitarra?
B: Sim
A: E é universal?
B: Sim.
A: Então obrigado!
Talvez estivéssemos mesmo turvos, mas ficámos com a ideia que o Bombino nos responderia a tudo o que lhe perguntássemos, com o mesmo sorriso na boca, com a mesma beata entre os dedos da mão direita. Da mesma maneira que nos disse que tinha escolhido tocar com uma Cort (Hã?! É uma guitarra Coreana) porque gostava do sítio onde tinha posto os pontos no braço…