André Barros era estudante de Direito, já no último ano, quando começou a tocar piano. Autodidacta, começou a ganhar interesse, tirou um curso de produção e criação e pouco tempo depois já estava na Islândia a trabalhar no Sundlaugin Studio, construído pelos Sigur Rós nas instalações de uma antiga piscina. Daí a começar a compor música para cinema foi um pequeno salto e decidiu agora compilar esse trabalho, apropriadamente intitulado Soundtracks Vol.1, onde além de 16 temas compostos para esse universo, encontramos também uma música protagonizada por Valter Hugo Mãe, que escreveu e recitou um poema.
Altamont: O piano é a tua forma de composição por excelência?
André Barros: Sim, completamente. Todos os arranjos que eu faço para cordas ou para qualquer outro instrumento parte tudo do piano. Depois, contacto com os músicos e como nunca tive formação musical, toda a parte da transcrição é feita por um músico, mas a parte da composição é toda feita ao piano.
Depois do disco Circustances, andas nesta altura a promover o Soundracks Vol.1, que reúne uma série de músicas para bandas sonoras. Como é que isso aconteceu, começaste logo a ser solicitado para fazer música para filmes?
Eu não tive nenhum convite que tenha partido directamente de um realizador ou dos produtores. Até agora todas estas oportunidades de trabalhar em bandas sonoras partiram de mim. Eu tenho um lado forte de empreendedor, então aquilo que eu faço é contactar as produtoras, pesquiso um pouco por todo o mundo, aliás neste álbum tenho trabalhos com produtores de todo o mundo, de várias áreas, e de cinemas muito diferentes. E estes convites partem depois de eu contactar os realizadores e de eles conhecerem o meu trabalho e de eu enviar uma demo, baseada eventualmente num guião. E depois é um contacto que eu vou desenvolvendo até que realmente sou contratado para o trabalho.
Já que isto parte de ti, é uma coisa que te dá especial prazer, sonorizar ambientes é mesmo a tua praia?
Sim, sem dúvida, porque a minha música é altamente visual e, por ser instrumental e também muito melódica, percebi que se encaixava perfeitamente com a imagem. A primeira vez que isso aconteceu foi no início de 2013, o meu irmão tem uma produtora, que faz filmes institucionais, corporativos, publicidade, e usava com frequência as minhas músicas. E percebemos que realmente a minha música tinha alguma apetência para estar com imagem. E percebi também que era uma indústria que me poderia dar alguma tranquilidade financeira – se for bem desenvolvida, claro – e foi a partir daí que se deu o click e percebi que a minha música poderia ser boa para filmes.
Tu estiveste a trabalhar na Islândia (no estúdio Sundlaugin). Como é que surgiu essa oportunidade? Esse tempo que lá passaste abriu-te horizontes e inspirações para te dedicares à música mais a sério?
Isto teve uma forte influência em mim, em vários níveis. Isto foi no decorrer do curso que tirei na ETIC, de produção e criação musical – antes disso, tinha terminado o curso de Direito, não tinha quaisquer ferramentas que me pudessem ajudar na auto-produção dos meus temas, não tinha forma de sequer perceber como é que movimentava em estúdio, ou como é que falaria com os músicos, ou como é que passava para um tema misturado e masterizado, portanto não fazia ideia nenhuma. Tirei esse curso, de 2 anos, na ETIC e nos últimos meses tinha a hipótese de fazer um estágio no âmbito do programa Da Vinci, um estágio profissional de 3 meses. E esse estúdio na Islândia, sempre foi uma enorme referência para mim, por lá passarem músicos extraordinários de todo o mundo. Portanto decidi contactá-lo, nunca pensei que me fossem aceitar, mas a verdade é que depois de alguns contactos com um dos donos, fui mostrando o meu trabalho, fomos criando alguma empatia e uma ou duas semanas antes de o curso acabar aqui na ETIC ele deu-me o aval.
O Circustances é um álbum na verdadeira acepção da palavra, em que constróis uma série de músicas para estarem juntas, mas aqui neste Soundtracks Vol. 1 será um pouco mais difícil para compilar. Como é que fazes uma selecção dos temas ou defines uma ordem no disco?
Depois do Circustances – o nome é curioso, eu “Circustances” porque não é “circunstâncias”, é uma espécie de neologismo para fazer a piada entre o circus-circo e “circunstâncias” – depois desse álbum eu e a editora [Omnichord Records] percebemos que eu já tinha muito trabalho na área das bandas sonoras, nomeadamente 10 filmes – mas 6 são filmes como nós os entendemos, curtas e longas metragens, documentários e ficção, os outros 4 são filmes promocionais ou de publicidade. Depois de todo esse trabalho desenvolvido e muitas músicas gravadas, percebemos que faria sentido compilá-las por forma a depois ter uma espécie de mostra – poderá ser ou não, vamos ver com que periodicidade é que vamos editar estes discos, daí se chamar Volume 1 – para depois poder ser uma mostra significativa e interessante do trabalho que desenvolvo na área das bandas sonoras. Então pensámos num alinhamento, ouvimos do início ao fim todos os temas que eu tinha para as bandas sonoras, que ainda é bastante material, e basicamente tentámos incluí-las num alinhamento que fizesse sentido, lá está, para sentir o álbum como um todo. Obviamente há temas que poderão ter um bocado mais de electrónica ou mais percussão, que podiam sair um daqui – como acontecia por exemplo na banda sonora que criei para uma peça contemporânea [Short Street Stories, da Nicolas Ricchini Company] que tem 40 minutos, mas escolhemos apenas este excerto que está aqui neste álbum, “Flowers On Your Skin”. Portanto há vários temos que tivemos logo de descartar e depois aqueles temas mais melódicos ou que ficam mais no ouvido, também acabaram por ter prevalência quando pensámos num alinhamento.
Tem sido muito falada esta curta metragem, que tem aqui uma música neste disco para o filme Our Father, que passou agora em Cannes. Que música é esta, porque ela tem tido mais destaque, por exemplo quando se procura o teu nome.
Ah isso é óptimo. Aliás, são 3 temas que entram no álbum e que pertencem a essa banda sonora. Isto é uma curta metragem, de ficção, chama-se Our Father, da realizadora norte-americana Linda Palmer, e é especialmente interessante porque tem um elenco com actores relativamente conhecidos, como actor principal o Michael Gross, que fazia de pai do Michael J. Fox na série “Quem Sai aos Seus”. Não sei, talvez por isso também tenha tido algum destaque nos festivais, não sei. Mas a verdade é que com esta banda sonora já consegui um prémio para melhor banda sonora no Los Angeles Independent Film Festival Awards, aliás ter sido só nomeado já foi extraordinário, esse prémio foi incrível para mim, não estava nada à espera. E esteve também numa mostra paralela à competição oficial de Cannes, que é inserida no mesmo festival para que os cinemas europeu e americano possam comungar e partilhar experiências. E portanto, tem-me dado bastante visibilidade precisamente porque está a ter sucesso nos festivais, neste primeiro circuito depois de finalizado o filme.
O disco tem apenas uma música com voz e é logo a do Valter Hugo Mãe. Como é que nasceu esta parceria?
E nem sequer é cantada. E o poema é curtinho. Eu conheci o Valter Hugo Mãe pessoalmente numa livraria em Leiria, no ano passado, quando ele foi lá falar do livro “A Desumanização”. Foi extraordinário conhecê-lo – já tinha falado com ele antes, porque ele também esteve bastante tempo na Islândia, portanto partilhamos essas experiências, e depois conheci-o pessoalmente. E aí, eu já vinha a amadurecer um tema, que é este “Gambiarras”, na altura não tinha nome, não estava ainda completo, mas pensei que fazia todo o sentido, já há imenso tempo queria conjugar a poesia com a minha música, porque acho que se encaixa bastante bem e também para ter um tema diferente, e portanto é o único tema do álbum que não está em bandas sonoras. Enderecei-lhe o convite, ele aceitou, escreveu este poema, gravou a sua própria voz, é um poema curtinho, a ideia não é ser uma canção mas é ali uma forma de estimular a criatividade do ouvinte quando está a ouvir aquele tema, há ali uma passagem entre duas partes da música, e acho que cola muito bem.