Era uma vez um grupo de putos de cabelo mal lavado e sweatshirts largueironas que governava um país mágico, uma terra onde todos os seus habitantes viviam felizes e de barriga cheia de música boa, irreverente, voltaica, com substrato. Essa nação, próspera e feliz (não apenas contente), era o estandarte da força de vontade, do pioneirismo e da coragem: Num mundo onde todas as outras estagnavam na sua segurança, esta, com estilo e valentia, corria de rompante contra todas as muralhas e fortes dos seus vizinhos enfezados. Não os queria invadir, não os queria controlar, simplesmente queria que as barreiras que há tanto tempo os entorpecia, fossem quebradas, destruídas, para que de novo todo o reino pudesse ultrapassar o básico e seguir em frente. Evoluir.
Rei Alex, o líder devoto deste grupo de cavaleiros do punk/rock, guiou os seus companheiros a vitórias quase seguidas. Desde o violento Whatever People Say I Am That’s What I’m Not, à esmagadora conquista de Favorite Worst Nightmare ou o épico Humbug, muitos foram os feitos que deificaram estes rapazes, elevando-os a Deuses do rock alternativo mundial. A cruzada pela boa música parecia correr de feição, mas o tempo não perdoa.
Dois anos volvidos, o mundo havia mudado: a cena musical tinha disparado em todas as direções, todos os dias, quase, um novo escudeiro talentoso ia desafiando cada vez mais os limites do conhecido, do normal. Os Cavaleiros da Ordem de Arctic, sentados no seu merecido trono, foram observando, cansados e sem preocupações, o florescer de novos artistas, novos géneros, novas realidades. Aos poucos foram vendo que os seus súbditos iam-se dispersando, saindo da sua alçada. Os heróis de ontem estavam em risco de cair no esquecimento. Era preciso fazer algo, e esse algo foi AM.
Pondo de parte por um bocado as metáforas Disney e falando concretamente sobre o que se passa neste novo álbum dos Arctic Monkeys, temos de ter presente que em dois anos perde-se muito terreno. Nenhum ídolo é eterno e o tempo, especialmente hoje, não perdoa a quem se encosta à bananeira dos sucessos e vitórias, e não há nada mais assustador do que a sombra do anonimato que o esquecimento evoca. Deparados com esta situação, arrisco com a teoria de que Alex assustou-se: como aqueles miúdos que gostam de bater nas jaulas dos macacos e pô-los a fugir, o borbulhante cenário da música alternativa cresceu estrondosamente, novos ídolos nasciam e os antigos iam caindo e os Arctic corriam pela primeira vez o risco de serem ultrapassados. Era preciso fazer algo drástico e rápido. A resposta foi a curva apertada rumo à autoestrada pop-rock. Optaram pela saída mais eficiente.
AM, é o novo e de longe mais boysband”izado” álbum dos ingleses que desde 2006 chocam o mundo da música com um fortíssimo manguito de bom rock puro.
Aos poucos foram nos deixando água na boca: “Do I Wanna Know” e “R U Mine?”, as primeiras pistas a verem a luz do dia, foram um autêntico napalm de popularidade, contagiando os fãs (e não fãs, até) com guitarradas pujantes e letras que, apesar de mais levianas, nos faziam recordar os bons velhos tempos de 505. Vinha aí coisa boa. Algum tempo depois, “Why do You Only Call Me When You’re High”, chegou com um bang também, mas os mais atentos começavam a desconfiar: por entre riffs mais domesticados e letras frágeis, pobres em comparação com as para sempre viçosas irmãs mais velhas, sentiam-se os ventos da mudança. Teríamos de esperar para ver.
Esperamos… e vimos. Aqueles medos iniciais começavam a confirmar-se. Não havia popa brilhante nem cabedal reluzente que conseguisse esconder as tremendas fragilidades deste novo álbum. Tanto a construção melódica como a lírica levaram um enorme safanão, perdendo originalidade e poder…Há sempre maneiras mais inventivas de falar sobre miúdas e corações partidos, malta.
Não se sente um à-vontade muito grande dos Arctic nesta nova pele de James Dean’s do século XXI, não é aquela a sua génese, não é aquele o seu som. E ainda é mais chato o facto de que as músicas são de tal forma feitas para agradar que chegam mesmo a… agradar. O fator catchy deste novo formato é hipnotizante, há músicas como “Snap Out of It”, que sentimos serem fraquinhas, mas que nos custa a deixar de ouvir. Exceção feita, claro, ao intragável “I Want It All”… não há magia pop que salve esta faixa. “One For the Road” e “I Wanna be Yours”, juntamente com os primeiros singles acabam por ser os camisolas amarelas deste trabalho que teve uma receção tudo menos consensual.
Resumindo, não temos um álbum mau tendo em mente o passado e todo o potencial dos macacos do ártico e motivados pelos laivos puros que vão transparecendo, escondidos, por entre as músicas de AM, há qualidade. Ouvimos parecenças com Bowie ou Black Sabbath, mas ao mesmo tempo temos uma sobra de Kooks que volta não volta põe a cabeça de fora.
Se de facto esta viragem for definitiva, devo dizer que será uma grande desilusão. Não deixaria de gostar muito de os ouvir, mas ao mesmo tempo não conseguiria evitar a sensação de “Bolas, podiam ser tão melhores…”. Agora, se tudo isto não passar de uma fase, então digo-lhes só para se deixarem de m****s e trazerem de volta a rockalhada que a malta gosta.