
Perder uma oportunidade de poder assistir a um concerto dos ingleses The Cinematic Orchestra deveria ser considerado crime. Talvez por isso tenha estado tanta gente ontem à noite, nos Jardins do Marquês. Estou seguro de que Oeiras deve ter gostado do que viu e ouviu. O estilo da banda permanece o mesmo, a qualidade intacta, a performance ao vivo é igualmente digna dos melhores elogios. Quando é assim, está tudo bem! O som nu-jazz (com a inevitável dose de electrónica pelo meio) dos The Cinematic Orchestra é inconfundível, e essa distinção é a linha de água que separa os grandes artistas de todos aqueles que também desejariam pertencer a esse mundo, mas que por incapacidades várias vão ficando pelo caminho. Por falar em tempo e na sua passagem, a banda de Jason Swinscoe já por cá anda desde 1999, e tem resistido a muitas mudanças no seu line-up. No entanto, continuam em grande. Foi por essa grandeza e pela história discográfica que já possuem que os fomos ver. Era o terceiro dia do EDP Cool Jazz 2016, e esse foi, pelo menos até agora, o momento mais alto da sequência de concertos que o festival da vila de Oeiras já nos deu, e será seguramente um dos melhores dos que tem ainda para nos oferecer. Foi muito bom, e foi como a seguir vos contamos.
Umas breves linhas para Salvador Sobral, que abriu a primeira parte da noite de ontem. Talento não lhe falta, coisa que já se sente em Excuse Me, primeiro disco do músico português que encontrou no jazz e nas suas variantes latino-americanas um espaço privilegiado de interesse. A versão de “Ai, Amor!”, canção original de Ignacio Villa que me fez recordar a sublime interpretação de Caetano Veloso no seu Fina Estampa ao Vivo, foi a escolhida pelo músico para encerrar o seu concerto. Foi excelente, diga-se de passagem, e Salvador Sobral estava verdadeiramente satisfeito com a sua atuação. O público também. Era altura das estrelas da noite subirem ao palco, e quando isso aconteceu, tudo mudou…
Qualquer concerto dos The Cinematic Orchestra é uma experiência inesquecível. Aqueles enleios sonoros envolvem-nos, como se fossem longos lençóis a aconchegar-nos a alma, o coração parece que bate ao compasso das canções, ou então é ao contrário, o coração delas é que bate em nós, nunca sei se é duma forma ou doutra, a viagem vai começando, o chão foge-nos dos pés, parecemos bailarinos sem palco, sem chão mas aflitos de prazer, as memórias não tardam a surgir, os olhos fecham-se e ao longe (mas tão perto que quase podemos tocar as imagens) um final de tarde, uma esplanada sobre um mar de vozes azuis como água a puxar-nos para dentro delas, “oh that weight / is lifting / lifting off me / it carries me / out to sea / and swallows me”, sem pressas que o fim de tarde dura ainda mais um pouco e depois a noite será um outro tempo, um outro espaço, nós já na escuridão das horas e dos sons, o coração das canções a bater em nós, ou o nosso nelas, nunca consigo perceber como isso acontece, enquanto uma ligeira brisa obriga ao aconchego dos lençóis que se estendem como mantos sonoros, paisagens que se constroem e se esfumam à nossa frente (assim, pluft!, como que por magia), tão tangíveis, mesmo de olhos fechados, e a música não para, parece não acabar nunca a viagem até ser hora de regressar “cause I build a home / for you / for me / until it disappeared / from me / from you”, e de novo os pés no chão e os olhos bem abertos.
Foi assim o concerto que os The Cinematic Orchestra deram ontem, em Oeiras. Exatamente assim. Quem lá esteve e disser que nada do que vos contei aconteceu, então ou é mentiroso, ou se perdeu por caminhos menos conseguidos.
- nota: os versos que vão surgindo no texto pertencem às canções “Breathe” e “To Build a Home”, ambas presentes no alinhamento do concerto.
- fotografias da ETIC gentilmente cedidas pela organização do EDP CoolJazz Fest












