A dupla está de volta! Luke Haines e Peter Buck regressam em plena forma, completando uma sonora e inusitada trilogia psiquiátrica.
Já lá vão uma boa mão cheia de anos, é um facto. Luke Haines, o mítico frontman dos The Auteurs, Baader-Meinhof, Black Bob Recorder, e Peter Buck, estrela do rock alternativo e integrante dos REM durante toda a existência da saudosa banda norte-americana juntaram-se para mais um álbum, o terceiro feito por esta improvável parceria. Conheceram-se, segundo se diz, quando Peter Buck comprou um quadro (sim, o homem também pinta) a Luke Haines. A partir dessa data, ambos terão percebido que poderiam conjugar as suas forças criativas na música, e em boa hora levaram avante esse desígnio artístico. Going Down To The River… To Blow My Mind é, assim, o terceiro trabalho da dupla, encerrando, pelo menos para já, uma trilogia que Luke Haines designou como psiquiátrica. Tudo começou com Beat Poetry For Survivalists (2020), progredindo com o duplo All The Kids Are Super Bummed Out (2022), até chegarem a este recente disco, saído pela Cherry Red Records, que há muito vem publicando o que Luke Haines tem produzido. É que o homem não para, felizmente, e entre música, pintura e escrita, há sempre novidades vindas da cabeça efervescente do rapaz nascido em Walton-on-Thames, a 7 de outubro de 1967.
Going Down To The River… To Blow My Mind apresenta-nos treze composições em pouco mais de quarenta minutos. Funcionam bem, todas juntas, apesar de algumas saborosas excentricidades, marca indelével de Luke Haines, um tesouro a quem muitos dão pouco ou nenhum valor. Ouvidas com a merecida atenção, encontramos características dos músicos mencionados, o que nos parece perfeitamente normal, tanto na voz e no particular canto de Haines (por vezes mais falado, narrado, do que cantado) e nas guitarras de Peter Buck. Combinam bem, ao ponto de este terceiro álbum em parceria poder ser, tanto quanto nos parece, o mais interessante de todos. Aliás, talvez tenham vindo a público, os álbuns mencionados, sempre em crescendo. Going Down To The River… To Blow My Mind começa com a maravilhosa “The Pink Floyd Research Group”, uma das composições mais serenas de todo o disco. Seguem-se “Going Down To The River To Blow My Mind”, o tema que dá título ao LP, e começam a borbulhar as faixas mais roqueiras, a par de “Hot Artists” e “56 Nervous Breakdowns”, esta última com uma letra que só poderia ser feita por Luke Haines. A acidez dos seus versos é marca mais do que registada, aprimorada com os tempos, naturalmente. A veia indie-rock mantém-se com “Sufi Devotional”, abrandando um pouco essa verve com a mais calma, embora tensa, “Children of the Air”. Sem pretendermos resumir cada uma das treze faixas, referimos ainda mais um par delas, ou mais do que isso, que nos parecem sobressair das restantes ainda não mencionadas. É o caso de “In Rock”, uma das mais belas, e “Papa John”, com belíssimos sons da guitarra de Peter Buck por detrás, a sublinhar a beleza da composição. “Radical Bookshop Now” e “Special Guest Appearance” fecham Going Down To The River… To Blow My Mind da melhor maneira, serenando ânimos e trazendo um toque de despedida perfeito a um disco que se ouve com muito agrado.
Começámos por referir que Luke Haines é um músico a quem poucos vão dando o devido valor, sobretudo quando ingressou no mundo da música em nome próprio. Lamenta-se o facto, embora se compreenda tal coisa. Não se pode esperar de Luke Haines aquilo que ele nunca teve vontade de dar: canções orelhudas que o mundo inteiro possa cantarolar. Aqui, o caso é distinto. O que Haines parece procurar é a margem do caminho que leva ao gosto comum. Por isso, se for esse o desejo, há que ouvi-lo com atenção e apreço. Luke Haines precisa de amigos (e não é nenhum monstro, note-se), tendo arranjado um em Peter Buck. Finda a trilogia, haverá espaço para mais álbuns em parceria? Não sabemos, mas a irrequietude de Luke Haines dar-nos-á essa resposta, sem que tenhamos de esperar demasiado tempo. Ainda bem.