Pink Elephant não é do apreço de muitos, mas há quem tenha uma opinião diferente. Parece que todos lhes andam a fazer o funeral, mas os Arcade Fire continuam vivos, afinal. E bem.
Quase nunca perdoamos àqueles que nos viram as costas. Sobretudo quando lhes temos afeto, ternura ou outros sentimentos igualmente bons, criados ao longo de vários anos. Se é assim com pessoas, é do mesmo modo com artistas do nosso apreço, que sendo pessoas como as outras, parecem sê-lo de outro modo, espécie de amizade especial que sobressai ainda mais de tempos a tempos, quando ocorre o esperado (ou inesperado) disco novo. Esfregamos as mãos de satisfação e esperamos ansiosamente que nos cheguem aos ouvidos o que fizeram para nosso contentamento. Porém, e os poréns da vida podem ser complicados, por vezes as empatias desafinam e está o caldo entornado. Deverá ser dos nervos, da não obediência ao gosto que experimentámos antes e que já não nos sabe ao mesmo nos dias que correm. Tudo parece perdido, e o que antes eram juras de amor eterno, são agora sombras do brilho encantado de outrora. Voltamos-lhes as costas e ponto final, ficando à espera de melhores dias. No fundo, é o que tem vindo a acontecer desde Everything Now, passando por We, até se chegar ao recentíssimo Pink Elephant, o elefante sonoro na sala de cristal e brilho de outros tempos.
Para começar, uma confissão, antes de qualquer outra coisa, na esperança de não ser entendido erroneamente: nunca fui daqueles que endeusaram os Arcade Fire. Lamento. Nunca me pareceram gigantes, nem sequer foram heróis da minha banda sonora diária. Conheço-lhes os discos, tenho-os todos, mas são mesmo raras as vezes que os coloco a tocar. Está dito, assim como está ainda por dizer o que penso sobre esse delirium tremens sonoro, se é que me faço entender, sem haver nisto ponta de qualquer volume etílico em mim, enquanto escrevo estas linhas.
Cativou-me a faixa introdutória, sinal de que qualquer coisa de novo estaria a acontecer à minha frente. Antes de ouvir a seguinte, voltei a escutar “Open Your Heart Or Die Trying”. A sensação foi estranha e fez-me andar muito (mas muito mesmo) para trás no tempo. Foi algo semelhante a ter ouvido “Europa” antes de avançar para a integralidade de Autoamerican, embora sem a stamina de apreço que tinha (e tenho) pela banda norte americana que o fez.
Enfim, passemos à frente, embora sem sentir necessidade de me referir a todas as faixas de Pink Elephant, muito menos de me socorrer das mesmas pela ordem em que se apresentam no disco. Deixemos o animal solto…
O tema mais extraordinário de Pink Elephant é “Ride or Die”. A delicadeza fica sempre bem, apareça ela onde aparecer. Quatro minutos e pouco de um quase sussurro, progredindo e regredindo de forma mágica, enfeitiçante. Um mimo. Outras há com outros apelos, com outro tipo de força motriz. “Circle of Trust” tem mais garra, a batida convida ao rodopio, mas a elegância mantém-se. Lembra algum do synth pop dos anos 80. Aliás, há muito dessa época, desse som (sim, é vaga a apreciação, mas não menos verdadeira por causa disso) neste recentíssimo álbum dos Arcade Fire. As eletrónicas, os sintetizadores, vozes entrecruzadas a fazer de coro (o final desta faixa poderia ter estado presente numa composição de Warp, dos genial New Musik), alguns toques de produção também ajudam, batidas que soam a drum machines. O que acabou de ser dito é igualmente válido para “I Love Her Shadow”, menos a parte de poder estar presente no último dos três únicos álbuns de Tony Mansfield e companhia. No entanto, com um pouco de imaginação e uma boa dose de glitter adicionado, poderia ser um lado B dos Pet Shop Boys. A propósito, já que estamos em maré de juízos, devo dizer que adoro lados bês. Acho-os fascinantes, muitas vezes. “Stuck in My Head”, a faixa derradeira, vai tendo crescendos e pontos finais, repetidamente, até ao ponto derradeiro, quase sete minutos e meio depois de se ter iniciado. (Uma questão que me veio à cabeça: como seria este tema, se fosse composto pelos irmãos Mael, dos Sparks?) Há no tema algo que me faz pensar nos norte americanos.
Termino recordando o facto de nunca ter sido (nem de perto, nem de longe) fã de carteirinha dos Arcade Fire. Aprecio, no entanto, os artistas que arriscam não pisar sempre os mesmos terrenos, que por lhes terem trazido fama e glória, tantas vezes montam neles uma espécie de palco perpétuo, com vista ampla e desafogada para um futuro de enorme esplendor, repetindo fórmulas vencedoras. Talvez por isso tenha começado a ouvir Pink Elephant uma e outra e outra vez ainda, fazendo dele um disco cada vez mais próximo, ganhando simpatias maiores a cada audição. Nem me interessa discutir se é o álbum menos conseguido dos canadianos, como tanto se ouve dizer, ou se é isto ou se é aquilo, em abono ou desabono dos membros da banda e da sua discografia. A verdade, para mim, é esta, e com ela me fico: estou a gostar bastante dele e não me admirava nada que passasse, dentro de pouco tempo, a adotar definitivamente este mamífero rosado como animal sonoro de muita e prolongada estimação.