Foram quase duas horas que fizeram o festim dos Zarco no B.leza e que nos deram o luxo de nos esquecermos do resto do mundo para nos focarmos inteiramente na celebração da amizade, da música e das boas memórias.
Os Zarco são uma banda muito especial. Sabem dar concertos certinhos e também sabem dar uma grande festa. Sabem soar ao vivo como em estúdio, da mesma maneira que sabem inventar novas formas e texturas para as suas composições já de si complexas e inteligentes. Sabem reinventar-se, sabem manter tudo como estava, sabem reproduzir e sabem criar coisas continuamente novas. Fazem tudo isto consoante a sua vontade e sempre de forma absolutamente coesa. Tudo faz sentido, a todo o momento.
O palco, repleto de instrumentos vários, havia já sido tomado pelos Manteau, que aqueceram o ambiente com o seu rock jazzístico e os seus coletes de malha antes da chegada dos Zarco, que abriram com a grande “Schicksalsrad”, do seu primeiro álbum. Envoltos na penumbra, potenciada pelas luzes e pelas máquinas de fumo, fizeram soar “Sombra” de forma exímia, como se tocar assim fosse coisa fácil. Os seus instrumentais são tão envolventes que absorvem as atenções de tudo o resto que se passa de fora das quatro paredes que reúnem banda e público e que os tornam um elemento só, dedicado àquele momento em que parece que se sai da vida normal por breves momentos.
Fez-se, pois, hora de entrar no registo mais acústico e de, para tal, cumprimentar os convidados especiais: os já habituais Marta Biu e Diogo Faro, para acompanhar nos sopros, e o estreante Gaspar Varela, dos Expresso Transatlântico, em conjunto com a sua guitarra portuguesa. Banquinhos de campismo apareceram dos confins do palco, para que os guitarristas pudessem tocar mais confortavelmente “Morrer de Pé” e “Devagar, de Mansinho”, duas faixas do álbum mais recente, concretizadas belissimamente. Para retratar os tempos idos, de ensaios na casa do baterista, Pedro Santos, tocaram “7 por Sala”, do EP de 2017, altura em que Fernão Biu finalmente pegou no clarinete que tinha aos seus pés desde início, para acompanhar o restante rock. “Vitamina Z”, “Tava Num Bar”, “Spazutempo” e “Feira das Memórias”, todas músicas do primeiro álbum, foram uma maravilha de se presenciar, com interlúdios de narrações sempre muito teátricas por parte de Fernão.
De volta às cantigas de pesca, como foram apelidadas aquelas tocadas com os banquinhos de campismo, “Sr. Doutor”, “Atira e Vira ao Mar” e “Ama Onde a Estrada Começa”, faixas do último disco, protagonizadas pelas flautas, clarinetes e pelo carrilhão, que soa a chuva de estrelas, precederam a novidade, “Safari”, que trouxe de volta a eletricidade e inaugurou o início da festa de encerramento da noite. “Corsário” e “P’ra Lá do Rio” foram as últimas músicas do alinhamento. Gaspar Varela e os Manteau foram chamados novamente ao palco para o (pseudo) encore, uma grande folia de reco-recos, copos de vinho e dança feliz.
Foram quase duas horas que fizeram o festim dos Zarco no B.leza e que nos deram o luxo de nos esquecermos do resto do mundo para nos focarmos inteiramente na celebração da amizade, da música e das boas memórias. É mesmo importante sublinhar a força desta atuação, que teve tanto de divertido como de comovente, comemorando o talento abundante da cena musical portuguesa atual e abrindo espaço para os mais ecléticos delírios criativos. Abram alas!
Fotografias por Ana Lúcia Tiago