Yellow River Blue é um álbum que apresenta traços urbanos e características naturais em simultâneo. Funciona como uma representação fiel daquilo que é a existência da autora, Yu Su. As suas origens chinesas e a sua atualidade urbana, sediada em Vancouver, coexistem na perfeição – é como se uma fosse o Yin e a outra o Yang.
No final de janeiro, foi, possivelmente, editado um dos álbuns mais interessantes do ano. Yellow River Blue, da chinesa/canadiana Yu Su, é um trabalho refrescante e hipnotizante ao mesmo tempo. Forma um conjunto de oito temas que vicia qualquer ouvido. O aviso ficou aqui feito.
Vancouver abriga amigavelmente vários músicos oriundos do habitat da eletrónica. Em 2013, Yu Su fixou-se na cidade e começou a conviver intensamente com a comunidade artística aí residente. Esta revela, entre muitas ‘pancas’ e ‘manias’, uma paixão eletrizante pela música que é construída a partir de notas perdidas de sintetizadores e de outros materiais ligados à corrente. Desde então, Su lançou dois LP’s. O disco de estreia saiu em 2019. Antes de ter lançado Roll With The Punches, a artista já tinha editado singles e remixes de temas de outros músicos, mas ainda de uma forma tímida e envergonhada.
Nos meses finais de 2020, Yu Su começou a divulgar as primeiras faixas daquele que viria a ser o seu segundo disco. Lembro-me de ter ficado particularmente tocado pelo ritmo contagiante de “Xiu”. Nesse primeiro contacto com a música de Yu Su, fiquei com a impressão de que estava a escutar uma qualquer música passada por um DJ no inesquecível The Hacienda: as semelhanças com algumas faixas dançantes dos New Order e com outros grupos rock do UK da mesma década são inegáveis.
“Xiu” é a canção número um de Yellow River Blue. É um ótimo começo. Ao fim de quatro minutos e vinte e cinco segundos, já não sentimos os pés, nem o corpo. Dançamos intensamente. Estamos felizes. Sorrimos.
A faixa seguinte, “Futuro”, é imensamente tribal. Dançamos à mesma, mas de forma diferente. Já não estamos no interior de uma boîte. Estamos em redor de uma fogueira, a celebrar os costumes da nossa comunidade indígena.
É importante referir que a inspiração para Yellow River Blue nasceu numa visita que Yu Su fez ao seu país de origem, a China. O título do projeto é, de facto, uma alusão clara ao rio Amarelo, chinês em toda a sua extensão. Apesar de não existirem referências musicais diretas a essa viagem feita em fins de 2019, as inspirações são audíveis.
“Touch-Me-Not” e “Gleam”, reproduzidas de seguida, são temas impressionantes pela calma e tranquilidade que emanam. Tanto uma como a outra podiam ter sido perfeitamente selecionadas pelo lendário José Padilla, o lendário DJ espanhol, que, a partir da década de 90, ‘residiu’ e abençoou o Café Del Mar, em Ibiza.
Depois, em “Melaleuca”, voltamos a experienciar ritmos intensos e contagiantes. Em vários momentos da faixa, chegamos mesmo a alcançar o espaço. É esse o poder da pop.
“Klein” é o registo mais distorcido de todo o projeto. Por essa razão, pode ser o momento preferido dos ouvidos que procuram sons mais experimentais. Constitui, sem sombra de dúvida, o momento mais ambient de Yellow River Blue. É também a faixa onde se pode identificar com mais intensidade influências orientais na musicalidade da artista.
O penúltimo tema é “Dusty” e reforça a ideia de que este é um álbum que junta na mesma panela sons ambient, micro-house e synth. Estamos perante uma faixa que apresenta uma composição crescente e que, de certa forma, aparenta ser construída por elementos de todas as músicas anteriores. Ao som de “Dusty”, podemos dançar, da mesma forma que podemos contemplar as paisagens da natureza, umas vezes mais calmas e paradas do que outras.
Yu Su fecha Yellow River Blue com uma vista alternativa sobre as melaleucas. São uma espécie botânica nativa da Austrália. Apesar de serem tratadas por “árvores do chá”, por muita gente e em demasiadas ocasiões, as folhas das melaleucas não têm qualquer tipo de utilidade no preparo do chá. Em “Melaleuca – At Night”, reencontramos sonoridades ambient. Em alguns momentos do tema, mas sobretudo no começo, há uma certa semelhança à linha de som condutora de Mother’s Earth Plantasia, do também canadiano Mort Garson. Não sabemos o que relação é que as pessoas deste país da América do Norte estabelecem com as flores e com a biologia, mas gostamos dela.
Yellow River Blue é um álbum que apresenta traços urbanos e características naturais em simultâneo. Acaba por ser uma representação fiel daquilo que é a existência de Yu Su. As suas origens chinesas/orientais e a sua atualidade urbana coexistem na perfeição – é como se uma fosse o Yin e a outra o Yang. Temos nas nossas mãos um álbum estruturado por um conceito realmente interessante. Todos os segundos de Yellow River Blue são únicos e, apesar das influências que guiaram o trilho criativo de Yu Su estarem à vista, o segundo álbum da produtora sediada em Vancouver é original e tem uma sonoridade refrescante.
No final de cada audição, Yellow River Blue revela sempre ser um magnífico projeto de som.