Uma cantora inca com uma amplitude vocal absurda anuncia-se ao mundo e torna-se a rainha da exotica.
Yma Sumac, de seu verdadeiro nome Zoila Emperatriz Chávarri Castillo, nasceu numa aldeola nos Andes, no Perú, antes de, aos 12 anos, se mudar para a capital, Lima. A sua vida, enquanto criança, é rodeada de mitos, o maior dos quais de que cantava antes de falar e treinou a sua voz imitando o canto dos pássaros e o ruído do vento e dos animais na sua aldeia. Outro é de que era descendente dos últimos reis incas, algo impossível de comprovar. Aos 16 anos, já em Lima, teve a sua estreia ao vivo, com o conjunto de Moises Vivanco, músico e especialista em música andina que viria a ser o seu agente e, mais tarde, seu marido.
Dessas primeiras actuações ficou o eco da estranheza e do assombro criado pela voz inimitável daquela jovem. O que a distinguia em palco, para além da sua beleza, era a extraordinária capacidade de atingir os tons mais graves e mais agudos, muitas vezes na mesma frase. Teve imediatamente um grande sucesso no Perú e Vivanco começou a pensar em como exportar este fenómeno para o maior mercado do mundo, os Estados Unidos da América. Sumac e Vivanco mudaram-se para lá, mas os primeiros tempos foram passados com pouco ou nenhum glamour, tocando em espeluncas e até num pequeno restaurante em Nova Iorque.
Esse caminho abriu-se quando Sumac foi descoberta por Les Baxter, líder de orquestra americano que vinha das grandes bandas de swing e estava a explorar um novo segmento: a lounge music e a exotica, música misteriosa vinda de lugares remotos do mundo, tratada para ser consumida pelo palato americano.
Pela mão de Baxter, Sumac começou a aparecer na televisão, sendo vendida como quase uma curiosidade de circo, pelo exotismo e pelas extraordinárias capacidades da sua voz. Baxter e Vicanco foram construindo o percurso de Yma, que teve três pontos altos na viragem para os anos 50: um contrato discográfico com a Capital Records; uma noite triunfal num concerto no prestigiado Hollywood Bowl; e logo a seguir a edição do disco de estreia, este Voice of the Xtabay (sendo este o nome de uma divindade inca mítica).
Este primeiro álbum tocou num ponto sensível do público americano, em busca de exotismo e de promessas de um mundo misterioso e mítico. Ao longo de oito temas, Sumac demonstrava todo o seu arsenal de capacidade vocal, cantando na sua língua de origem, ou seja, nem em inglês nem em espanhol, mas no idioma andino dos incas. Que este tipo de disco tenha tido tanto sucesso não deixa de ser espantoso.
O que fez a diferença foi que, em cima da voz de Yma Sumac, Moisés Vivanco (autor de todas as músicas, supostamente inspiradas em temas e ritmos reais da tradição inca) e Les Baxter deram o enquadramento musical certo para que ela brilhasse, enquanto ao mesmo tempo criaram a base musical que reforçava o exotismo que o público americano conseguia digerir. Não há um tema que se destaque dos outros, embora esta seja a casa do excelente “Ataypura”, que viria, décadas mais tarde, a entrar na banda sonora do magnífico filme Big Lebowski, dos irmãos Cohen. O que consegue fazer, sem esforço, é levar-nos numa viagem de mistério e exotismo, embalados numa voz incrível e irrepetível (em 1956, Yma recebeu o Prémio Guinness para o cantor com maior amplitude vocal do mundo).
O sucesso de Voice of the Xtabay foi avassalador. Chegou a número 1 da Billboard 200 nos Estados Unidos em 1950 e levou Yma em extensas digressões, com início em Carnegie Hall mas com destino a todo o mundo, dos Estados Unidos à América Latina, da Europa à União Soviética.
Foi, de certa forma, o início da Exotica, da qual Yma seria a rainha por muitos, muitos anos. Vendeu milhões de discos ao longo da sua vida, tornando-se a artista peruana mais vendida de sempre. Entre os seus trabalhos, destacamos ainda Inca Taqui, de 1953, ou o igualmente seminal Mambo!, de 1954, este talvez superior ao disco de estreia. Mas foi aqui que tudo começou, quando o mundo descobriu a espantosa voz e o incrível mito de Yma Sumac.
Ouvi-lo, ainda hoje, é sair deste mundo.