Passaram dez anos desde que os Woods se estrearam com o seu primeiro álbum, How To Survive In/In The Woods (2006). Este é, por isso, um momento apropriado para fazermos uma pequena retrospetiva da banda. Começando num registo mais lo-fi, iniciado com esse álbum mas que só se tornou bem conseguido a partir do seguinte (At Rear House, de 2007), a banda foi sempre singular, pela forma como ia misturando a sua folk elétrica mais pastoral e docemente sonhadora com momentos mais experimentalistas e levemente psicadélicos, com linhas de guitarra que evocam George Harrison e os Beatles, por exemplo, duas referências habitual e compreensivelmente apontadas à banda liderada por Jeremy Earl e Jarvis Taveniere (a restante composição foi variando, com membros a entrarem e saírem — por ali passou, por exemplo, Kevin Morby).
A forma como, quer nos álbuns de estúdio quer ao vivo, os Woods sempre misturaram esses dois lados tornou-os sempre uma banda algo difícil de categorizar, uma mistura sonora híbrida, habitualmente rotulada com a etiqueta “psych folk”, que não lhes assenta mal. Com a voz aguda de Jeremy Earl, capaz de provocar habituação ou desagradado (dependendo da perspetiva de quem a ouvir), os Woods, através de Jeremy Earl, transportaram essa visão de uma música norte-americana como súmula de vários géneros para uma editora, a Woodsist, que é desde a sua fundação, em 2006, uma das editoras independentes que mais e melhor tem combatido a unicidade dos “otovermes” (como lhes chamava Miguel Esteves Cardoso) da pop do século XXI. Foi a Woodsist que nos trouxe, por exemplo, os primeiros LP de Kurt Vile, dos Real Estate, de White Fence e de Alex Bleeker and the Freaks, para citar alguns exemplos.
Os Woods foram, assim, trilhando o seu caminho, aprimorando a sua sonoridade, sobretudo a partir do belíssimo Songs of Shame, de 2009. Tivemos, depois, At the Echo Lake (2010), Sun and Shade (2011), Bend Beyond (2012) e With Light and With Love (2014) — a cada álbum os Woods foram amadurecendo, tornando-se uma banda sólida (ainda que não genial) e assumindo esse estatuto na produção dos seus álbuns, deixando de gravar em casa e passando a gravar em estúdio.
Nesse amadurecimento, contudo, a banda foi perdendo talvez alguma da magia que a sua música tinha — não tanto pela melhor produção mas por alguma concisão na composição dos temas, que, se por um lado lhes veio trazer um som mais “cheio”, domesticou alguns dos momentos de maior experimentação dos álbuns anteriores. Não se tratava, note-se, de experimentação no sentido de improvisação e inspiração (mesmo que se fale muito em jams, mesmo esses temas eram cuidadosamente trabalhados, até surgirem em disco), mas de momentos mais espaciais (ouça-se, por exemplo, “September with Pete”, tema de 2009, para se perceber melhor a diferença).
Essa diferença prossegue com este novo álbum, City Sun Eater in the River of Light. Não se trata de um mau álbum dos Woods – estes são daquelas bandas que, assim que acertaram o passo (ao segundo álbum), soam sempre bem, reinventando a tradição que lhes serve de base de forma refrescante. É um bom álbum, que também é inventivo, à sua maneira — ouvem-se ritmos diferentes, inesperados nos Woods, mais jazzy em vários momentos. O tom quase épico (em particular comparado com os primeiros trabalhos da banda) da faixa de abertura “Sun City Creeps”, por exemplo, é muito agradável, suficientemente esquizóide e contido para não os deixar resvalar para territórios menos agradáveis. A faixa mais alegremente melancólica “Morning Light” (mais próximas do registo Woods, ainda que, mesmo nos restantes, este seja sempre identificável), a singular “The Take” — que tem uma secção de metais a piscar o olho à tradição musical afro-americana, ainda que inclua período de fuga ao cânone, como os Woods sempre nos habituaram, quando irrompe uma massa de som poderosa, quase tenebrosa, no bom sentido — são boas.
As restantes, contudo, deixam-me com sentimentos mistos (ainda que a faixa de despedida “Hollow Home” seja relativamente agradável). O difícil é dizer porquê. Não é que a música seja necessariamente má: simplesmente os Woods amadureceram, talvez não como muitos (nos quais me incluo) desejavam. Continuam a arriscar, a trilhar novos caminhos, dentro do panorama musical em que se movem. Só que sem o mesmo sabor a novidade e com uma maior grandiloquência que não os faz ascender ao patamar do Olimpo da música norte-americana deste século — precisamente onde, ouvindo os seus trabalhos anteriores, apostaríamos que estivessem hoje. Jarvis Taveniere e Jeremy Earl souberam não se acomodar e procurar novos caminhos. Não o fizeram mal. Mas, para disco de consagração, sabe a pouco e deixa antever que, olhando para a discografia que a banda tem, daqui a vários anos, este Sun City Eater in the River of Light não deixará de ser olhado como um disco (não mau, mas) menor. Até comparado com o seu antecessor, que, sendo bom, também estava longe da genialidade.