Fundador dos Dr. Feelgood, lenda do rock e inspiração de muitos dos primeiros punks ingleses, Wilko Johnson está a viver uma espécie de segunda encarnação. Em 2013 foi-lhe diagnosticado um cancro no pâncreas, em estado avançado e impossível de operar. Deram-lhe 10 meses de vida. Enganaram-se. Wilko Johnson está vivo, vamos vê-lo em palco esta semana no CCB e falámos com o homem que, na televisão, vestiu a pele de carrasco de Ned Stark.
Altamont: Antes de falar sobre música, quero falar sobre outro dos teus grandes interesses – Astronomia. É um passatempo que levas a sério, certo?
Wilko Johnson: Sim, começou há uns anos. Comecei por me interessar vagamente em astronomia, costumava olhar para a lua com binóculos, mas o que eu queria mesmo ver era os Anéis de Saturno. E para isso é preciso um telescópio, portanto comprei um e consegui ver. E é mesmo incrível. Depois comecei a comprar telescópios cada vez maiores e a minha casa tem um terraço e arranjei uma cúpula e vou para lá contemplar.
E consegues interpretar os ‘segredos do universo’?
Bom, os astrónomos são cientistas a sério e lidam com matemática e essas coisas. Eu sou um astrónomo amador, só quero ver coisas que fascinem. A coisa mais fascinante é definitivamente Saturno, podes passar meia-hora só a olhar para ele, não dá para acreditar que é real. E gradualmente vais encontrando outras coisas interessantes no céu.
Isso inspira de alguma forma a tua música?
Não, isto é algo completamente desconectado de tudo. Por exemplo, ter esta cúpula no terraço é excelente, vou para lá à noite só estar. E o telescópio é automático, carrego nos botões e aquilo aponta para onde quero, mesmo que esteja a chover, fico lá sentado a ouvir a chuva. É uma coisa que faço sozinho, é um mundo à parte.

Outro mundo diferente é o dos Sete Reinos. Entraste nalguns episódios da Guerra dos Tronos, não sei se viste a série ou leste o livro…
Não, nem por isso.
Bom, o que a tua personagem [Ilyn Payne] fez foi grave e deu origem a um banho de sangue. Essa experiência mudou de alguma maneira a tua vida no dia-a-dia?
Toda esta questão da Guerra dos Tronos foi meio estranha. Nunca tinha feito nada como actor, convidaram-me para um casting para este papel, eu nem sabia o que era… disseram-me só que era para uma série de televisão americana, eu não tinha noção de quão grande era. Só quando lá cheguei é que percebi. E gostei imenso, foi muito divertido, mas depois tive cancro e cancelei a minha participação.
E soube bem, no ecrã, decapitar um homem?
Sim. Foi exactamente como ser criança. Em miúdo brincamos sempre aos cavaleiros, mas agora tinha uma espada a sério, uma armadura real, olho à volta e há soldados verdadeiros. Foi… espantoso, já não me sentia assim desde criança, muito bom.
Transportando esse universo para a música – isto deu-te vontade de fazer uma espécie de rock n’ roll medieval?
Hahahaha. Assim com uns sapatos daqueles enrolados na ponta e assim? Não, não. Como outras coisas na minha vida, isto foi uma coisa separada. Quando estás a filmar é uma experiência totalmente diferente de actuar em frente a uma plateia – e o rock’n’roll é isso. Isto foi uma experiência muito boa, como disse, nunca tinha feito nada como actor e estar no plateau é espantoso. Há centenas de pessoas a trabalhar, os que asseguram a continuidade, entre cada take há imensas pessoas a correr, por exemplo há um tipo cujo trabalho é garantir que as velas não ardem demasiado depressa. Parece uma ida às boxes numa corrida de Fórmula 1. E portanto é tudo muito diferente de estar a tocar rock num palco.
Estamos aqui hoje, quando há algum tempo não se acreditava que sobrevivesses. Sentes que estás numa espécie de segunda encarnação?
Quando me diagnosticaram o cancro, disseram que não era possível operar, não se podia fazer nada e eu teria menos de 1 ano de vida. E isso é uma coisa estranha de se ouvir. Esse ano foi um dos mais intensos da minha vida, isto dá que pensar. E durante todo esse tempo, vivi a pensar que estou bem perto da morte. Quando me disseram, decidi que não ia passar o tempo à espera de uma cura milagrosa: “não vou voltar para os médicos, vou simplesmente viver o que me resta e divertir-me”. E passei esse tempo nesse estado, a pensar que a vida ia acabar… decidi fazer uma digressão de despedida em Inglaterra e descobri que estar nesta posição, a pensar que vou morrer em breve, é muito bom para o Rock’n’Roll. Ir para o palco e saber que não tens futuro, não tens de provar nada, não precisas de alcançar nada, vais só tocar! Existir nesse momento – ok vou morrer, mas agora estou vivo – isso é tão bom para tocar, especialmente rock’n’roll. Porque te estás a borrifar, não há nada a provar, é só tocar. E isso foi uma coisa que trouxe comigo. Não me preocupar com mais nada, não planear futuro – estar simplesmente no Agora, fazer agora!

Depois de contrariar as expectativas dos médicos, recuperaste, voltaste à música, além dos concertos há um disco novo de originais. Continuas a gostar de fazer música hoje em dia, como gostarias quando começaste a carreira?
Em vários aspectos, gosto bastante mais agora. Tirando o facto que é muito melhor ter 24 do que 71 anos, mas fora isso aprendi essa coisa de viver no momento. E actualmente, tocar ao vivo é o elemento principal da minha vida,na verdade. É isto que faço. Bom, também gostei do disco com o Roger Daltrey. Fizemos esse disco quando me diagnosticaram o cancro e o álbum teve imenso sucesso, talvez por causa das circunstâncias, mas por acaso acho que é um disco bastante bom. Mas quando o álbum chegou aos tops de vendas, eu estava precisamente no hospital e pensei que esta seria a última coisa que iria fazer. E é muito bom, porque ter um disco com o Roger Daltrey a cantar as minhas canções é uma forma excelente de terminar. Então, ao mesmo tempo que o disco estava a ter sucesso, conheci estas pessoas fantásticas, os médicos que me salvaram a vida… tenho saudades disso. Eu deitado na cama e as pessoas da editora a entrar com o disco de ouro e eu todo grogue.
Mas pronto, depois de recuperar falei com a editora e fizemos este disco, Blow Your Mind, e fizemos nos mesmos moldes que o disco com o Roger Daltrey, a mesma equipa, a minha banda, o mesmo produtor e tudo muito rápido. O disco com o Daltrey demorou 8 dias, para este levámos 13 dias. Mas esta é a minha maneira de fazer as coisas, se souberes que só tens alguns dias para fazer o disco, não podes começar a engonhar, tens de fazer e pronto. E é muito directo, foi muito bom, muito melhor do que antigamente. Se olhar para trás, quando era mais novo era muito mais hesitante e preocupado, se estava a fazer certo ou errado. Agora foi sempre a olhar para a frente. É rock.

Actualmente o rock n’ roll já não é um estilo assim tão popular entre os jovens. São cada vez menos os miúdos com menos de 20 anos que decidem pegar numa guitarra e ligar a distorção. Como é que vês estes tempos?
Para começar, eu não sou diferente da maioria dos “velhadas”, para pessoas como eu a música parou em 1972 hehehehe. Portanto não sei bem o que se está a passar hoje em dia. Mas isso é com os miúdos. Eu por mim só posso fazer o que sei fazer e que comecei nos anos 60.
E que conselhos darias a essa minoria de jovens que quiserem enveredar pelo rock n’ roll?
Trabalhem. Se quiserem aprender a tocar guitarra e começar uma banda, é óptimo. E habitualmente quando se começa tem-se um herói ou alguém que se quer imitar e faz-se isso e eventualmente encontra-se uma linguagem própria. E o importante é fazer, tocar. Se correr bem, recebem 1 milhão de dólares e andam de Cadillac e ficam com as miúdas todas. Se correr mal, ao menos divertiram-se. Se fizeres o que queres, seja rock puro ou hip hop ou o que seja, faz a tua cena. Não faças porque achas que é assim que tenho de fazer para ter sucesso. Quando começámos os Dr. Feelgood, a meio dos anos 60 no auge dos Rolling Stones, eles eram a nossa inspiração. E ali no início dos anos 70, este rock já não estava na moda, havia muitas bandas de techno rock, terríveis, mesmo à anos 70. E nós só queríamos tocar este blues, rhythm and blues, e foi isso que fizemos. Nunca tivemos intenção de… eu nunca pensei que ia passar o resto da minha vida como músico profissional, só o fazia por diversão. Mas não sei bem, estávamos no sítio e momento certos. E quando começámos a tocar na nossa cidade, nos arredores de Londres, não fazíamos o que estava na moda e as outras bandas locais riam-se de nós. Mas, gradualmente, criámos o nosso estilo, usávamos fatos baratos e percebemos que fazendo isso, o público adorava, esse imaginário gangster. Essa é a imagem, mas a música, se a tocares bem, as pessoas vão gostar. Sempre.
Nós no início estávamos fora daquilo que era moda na altura… as bandas eram altamente complicadas, um tipo a tocar dois teclados ao mesmo tempo e esse tipo de coisa, mas nós não entrámos nisso. Lembro-me que uma das primeiras vezes que tocámos num programa de televisão em Manchester, chegámos ao estúdio e montámos o nosso material, que era só uma bateria e dois amplificadores e o produtor vem ter connosco, preocupado, a perguntar quando é que íamos trazer o equipamento. Este é o nosso equipamento. Mas quando tocámos a tocar veio tudo abaixo, o cameraman estava aos saltos. E depois comecámos a tocar em Londres e as pessoas adoravam. Todo o espectáculo, porque a música na verdade é muito simples. Mas pronto, acho que o importante é fazer o que se gosta mesmo, não interessa fazer qualquer outra coisa, só porque é o que está a dar neste momento.