Reportagens

Vodafone Paredes de Coura – Dia 4

Patti Smith e Suede para os nostálgicos, Sensible Soccers a representar impecavelmente a cena lusa, Freddie Gibbs e Madlib para os duros do hip-hop. Foi assim a última noite da edição deste ano de Paredes de Coura – numa edição para recordar por muitos e largos anos. Em 2020 há mais.

No palco Vodafone.fm, os Sensible Soccers invocavam espíritos noturnos, impulsionados pelas grooves gelatinosas de Aurora, lançado há uns meses. Tocando o disco praticamente na integra, foi possível observar como o som ao vivo do grupo não se modificou tanto como em estúdio. Ondas de reverb glacial emanavam do arsenal de sintetizadores e samplers, contrastando com o som mais seco de Aurora, que bebe mais do afrobeat que do psicadelismo. Apesar da troca de membros a que o grupo tem sido sujeito, continuam a ser os nossos Sensible Soccers de sempre e enquanto eles mantiverem a fasquia elevada no que toca aos seus concertos, nunca nos cansaremos de os ver.

Patti Smith é uma figura como poucas. Tem história, andou sempre bem rodeada, e um eventual menor fulgor próprio de alguns discos é compensado em palco com revisitações de clássicos – por Coura ouviram-se na voz de Patti faixas de Lou Reed, Jimi Hendrix ou Rolling Stones, por exemplo. Com mais de 70 anos, a energia recorrente do concerto foi entrelaçada aqui e ali com momentos mais calmos, mas a empatia com o público foi sempre enorme – “Because the Night” e “Gloria”, no final, foram dos momentos mais altos da edição deste ano do festival Paredes de Coura, o que é dizer muito dada a qualidade global do certame.

De volta ao palco Vodafone.fm, Kamaal Williams introduzia o seu grupo por cima de um voodoo instrumental que raramente cessou ao longo de todo o concerto. Ora cozinhando um instrumental reminescente do deep house de Mr. Fingers ou desbravando território tribal que nem um fiel discípulo da fase elétrica de Miles Davis, a banda do inglês nunca deixou a cama por fazer. E o problema acabou por ser esse: por cima dessa cama, raramente se avistava um cobertor, geralmente sob a forma de um comentário débil da parte do seu saxofonista. O entusiasmo do teclista conseguiu elevar o interesse de um público confuso ao observar todas estas ideias disjuntas, aguardando sempre por uma demonstração convincente do talento do grupo mas nunca recebendo qualquer confirmação da mesma.

Talvez o concerto de Kamaal Williams não estivesse a ser assim tão insatisfatório dado o quão vazio o palco principal estava dez minutos antes do concerto de Freddie Gibbs e Madlib. O duo californiano deu tudo num concerto furioso e sem misericórdia. O público, no entanto, não estava à altura. Os refrões contagiantes de “Crime Pays” e “Thuggin’” foram reduzidos a poeira pela apatia geral do anfiteatro. Nada disso permitiu que os músicos perdessem a fé na sua música: enquanto Gibbs se deslocava em espasmos pelo palco, qual Tyler, the Creator, Madlib lembrava-nos porque motivo ele se considera, acima de tudo, um DJ. Por diversas vezes, o produtor acompanhava o flow do seu parceiro com scratching rítmico, ora seguindo precisamente a cadência do MC, ora acrescentando algum do seu sauce. Feitas as contas, é pena que, ao contrário do que é costume, os portugueses não tenham recebido um artista com o entusiasmo que estes mereciam.

Para o final, os Suede voltaram a um palco onde estiveram em 1999, e longe de serem os mais aguardados do certame, a verdade é que foram competentes e deram à edição deste ano do festival um fecho digníssimo. Com poucas faixas dos discos mais recentes – “As One” e “Outsiders”, a abrir, foram das poucas -, o alinhamento foi sabiamente construído para funcionar em festival, com pontuais momentos mais calmos para o vocalista Brett Anderson descansar. É difícil olhar para outra figura que não Brett: dança, salta, junta-se à multidão, deita-se em palco – os Suede vivem em seu torno, e uma ou outra falha de voz é atenuada com o apoio do público. Os momentos do disco homónimo, de 1993, são os melhores, mas é com as faixas de Coming Up, de 1997, nomeadamente “Trash” ou “Beautiful Ones”, que a festa se faz. Um belíssimo concerto para a despedida do minho. Em 2020 há mais.

Texto: Miguel Moura e Pedro Primo Figueiredo || Fotografia: Inês Silva

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