Os acordes ou o sol – em Coura são os primeiros que mais brilham. Todavia, porquê escolher ou classificar? No terceiro dia do Vodafone Paredes de Coura 2016, tivemos dose dupla em boas quantidades, apesar do início não ser dos mais auspiciosos.
Tal início teve lugar no palco secundário com a banda de Leiria First Breath After Coma. Um concerto bom, de genica e alguma catarse, mas aquém, muito aquém, mesmo mesmo muito aquém para quem alguma vez ouviu falar ou viu actuar uma banda de nome Explosions In The Sky. Para quem desconhece, explicite-se: são uma banda de post-rock cuja uma das muitas canções é intitulada “First Breath After Coma”. É necessária mais descrição? Para fotocópias mal tiradas, já nos bastavam as reprografias dos nossos antigos liceus. Apesar de se pôr um pouco de Sigur Rós na mistura para não soar tão chapa cinco, o bolor vê-se a milhas. Tal como Joana Serrat no dia anterior, os First Breath After Coma vêm provar que boas influências não fazem bons artistas. Fazem, no caso destes dois, artistas competentes; bons, só aos ouvidos de quem ouve pouca coisa. Bocejo.
Kevin Morby veio salvar o clima de inércia creativa com lancinantes canções rock inbuídas das melhores lições folk. Honesto e afável, afirmando duas vezes estes ser mesmo o seu país favorito, ganhou a atenção dos festivaleiros, ainda em pouco número, pela entrega apaixonada, singela e empática das suas canções. A banda que o acompanhava empoderava a sua obra – Meg Duffy desfiou tanto espectáculo das suas 6 cordas eléctricas como o próprio Morby e a secção rítmica de Cyrus Gengras e Justin Sullivan foi capaz de segurar o caos das duas guitarras volvida a altura de jams intensas assim como espevitar a sua energia aquando uma canção mais recatada. Para os que prestaram atenção, um belo concerto.
Seguidamente, não se escutou propriamente no palco principal um hino à beleza. Os rockeiros californianos Crocodiles mostraram-se comunicativos, brincalhões, verdadeiros entertainers à boa forma americana, numa pose semelhante à de um Alex Turner quando decidiu castigar o mundo com Suck It And See. Noise pop bem vitaminada, mas sem marca de água pessoal ou distintiva: letras são entoadas constantemente em formato lenga-lenga, as estruturas das canções praticamente semelhantes. Ganharam a afecção e pé de dança dos festivaleiros, não obstante há que lembrar das pastilhas elásticas a descartabilidade e qualidade efémera. Crocodilos há muitos.
Entretanto, no palco secundário, os Nova-Iorquinos Psychic Ills oferecem um momento relaxado, ponderado e paciente aos campistas da Praia Fluvial do Taboão. Se bem que não reinventam nada, houve aqui e ali momentos verdadeiramente compensatórios, de pura satisfação psicadélica. Um caso a estudar.
Não era, contudo, preciso algum tipo de estudo para sentir ao máximo a pancadaria selvática dos King Gizzard & The Lizard Wizard. Septeto mágico, multi-instrumentistas tão dispostos a pegar numa guitarra como numa flauta transversal, a mossa que deixaram em Coura há de perdurar nas pegadas veementemente deixadas na zona mais rente ao palco, fruto de imensos moches. Dando início ao concerto com o seu mais aclamado álbum – o tal comboio dos infernos onde as músicas seguem em catadupa sem qualquer tipo de pausa ou descanso, que é estruturado para nunca acabar, podendo ser tocado num loop infinito – Nonagon Infinity, Stu Mackenzie entoou o refrão de “Robot Stop”, que se repetiria várias vezes ao longo do concerto, o público reagiu em euforia, a batida e o histrionismo saltaram de rompante, num descontrolo gratificante. Seguir-se-ião 5 canções sem grande (ou praticamente nenhum) descanso de Infinity, mas assim que a banda pariu, voltou à carga com a sua suite movida a batida motorik de quatro canções: “I’m In Your Mind”, “I’m Not Your Mind”, “Cellophane” e “I’m In Your Mind Fuzz”. O público gritava os riffs hiperactivos tal estádio de futebol. Mais à frente, por entre outras malhas pujantes, “The River”, ponderada jam entre o blues, o jazz e o rock ácido e psicadélico abrandou os ânimos… até a bateria entrar. E a batida não era tão forte quanto isso – o entusiasmo do público assim se viu. Entoado o rápido refrão de “Robot Stop” por uma derradeira vez, tal círculo perfeito, o concerto acaba. Irrepreensível.
Para nos relaxar de todo este deboche, Jacco Gardner abria no palco secundário a sua caixinha de música para nos transportar a mundos do outro lado do espelho, bricabraques hipnóticos e psicadélicos. Um porto seguro, Jacco edificou um som no qual podemos sempre esperar um bom concerto. Não desapontou.
Seguidamente, no palco principal, os Vaccines divertiam-se, num bacanal total. Para melhor ou para pior, não se levam muito a sério. Crêem ter numa banda que se introduz ao som do genérico da série Game Of Thrones os próximos Fugazi? Pop rock de boa fé, interessado em nada senão divertir e dar espectáculo, enraizado nos últimos 30 anos de rock de guitarras Britânico. Critique-se: os The Vaccines não têm muito interesse em germinar, preferindo solo seguro e fértil. Analogias pobres à parte, foram criticados ferozmente, nas reportagens dos dias anteriores (até nesta), artistas cuja música não passava apenas de uma mescla simpática de influências. Se os The Vaccines também o são, então porque se diz melhor deles do que os outros? Entretenimento, claro está. Puro e duro. Melodias irresistíveis, presença de palco, Justin Hayward-Young vocalista surpreendente, equacionando o seu canto captivante e devoção ao público de forma, dir-se-ia, isenta de falhas. Cantaram-se êxitos, cantaram-se outros que o podiam ser. Se é para ser formulaico, ao menos que se dê um concerto do caraças. E foi, foi realmente um concerto do caraças.
Será preciso dizer muito sobre o concerto dado depois de Vaccines no Palco Vodafone? O rock tem destas coisas, de nos deixar boquiabertos e ficar a olhar para as estrelas, essas em menor número do que os gritos e saltos que demos. Cage The Elephant. Coura nunca ouviu o festival gritar tanto como no refrão de “Spiderhead”. Matt Shultz, vocalista comunicativo, irrequieto, verdadeiro animal de palco, afirmava este ser o festival preferido da banda em todo o mundo. Tendo em conta a recepção do público, não aceitamos nada senão esse estatuto. Cantava-se tudo a altos berros, Cage The Elephant tornados U2 por uma noite. “It’s Just Forever”, “Come a Little Closer” e “Cigarrette Daydreams” tocadas por esta ordem, numa energia e inspiração colossais – estas presentes durante o concerto todo. A noite só poderia ser deles.
Moullinex estourou aqueles que ainda podiam ter alguma réstia de energia – a sua banda no topo de forma, funcionando melhor e mais poderosamente do que qualquer mesa de mistura. Um after hour de sonho. The Vaccines deram um DJ Set sem pretensões, passando, sem a mínima habilidade (desconheciam o conceito de transições, pelo menos no início do set), Kendrick Lamar, Rihanna, Jackson 5, entre outros tantos clichês. Divertiu. E não é isso que é suposto acontecer num festival?
*Fotos, gentilmente cedidas por Hugo Lima, em actualização