Eis que o último dia de Paredes de Coura chegou. Num dia em que as maiores honras estariam reservadas para os mais velhinhos Pixies, os mais novos acabaram a fazer valer o dia, com apresentações entusiasmastes de Yves Tumor, Slowthai, ou da desconcertante Princess Nokia.
Neste derradeiro dia foi notória a subida da idade média dos presentes, encontram-se muitas famílias, diferentes gerações de festivaleiros e muita t-shirt da banda de Frank Black, que, embora fosse para muitos dos que se deslocaram até Paredes de Coura a principal atracção deste dia, acabou por dar um concerto um pouco à imagem daquilo que tem sido os seus concertos nesta fase pós-retoma, uma banda algo apática com uma execução tremida de algumas das suas próprias músicas. E, se ninguém espera nem deveria pretender grandes interacções e comunicações entre a banda e o público, por vezes tal é a falta de entusiasmo e cuidado com aquilo que está a ser tocado que parece que estamos a ver uma banda de covers dos Pixies, a tentar, com alguma dignidade, mas sem chegar a bom porto.
O concerto começaria bem, com energia e entusiasmo, “Gouge Away”, “Debaser”, “Wave Of Mutilation”, um arranque prometedor, o Punk Rock de “Broken Face” servido de seguida, “Crackity Jones”, “Isla De Encanta” a desaguar em “Gigantic” e, a partir daí, o concerto tornou-se um longo e enfadonho espectáculo.
Entre alguns dos temas da discografia mais recente, versões de Jesus & The Mary Chain, “Head On”, vai-se assistindo a um desfilar de canções, uma atrás da outra, sem pausas, sem alma, uma playlist tocada ao vivo, que mesmo nas canções dignas de maior comoção como “Here Comes Your Man”, “Hey” e a incontornável “Where is My Mind”, parecem sempre distantes, arrastadas, sem chama, por vezes mal tocadas. Foi bom rever estes Pixies durante a meia hora inicial, a partir daí, penoso é a palavra certa. Coura merecia melhor despedida.

Bem antes deste final errático desta 28ª edição, houve tempo para bons concertos, animação e muita diversidade musical. A começar com Xenia Rubinos, a norte-americana de ascendência porto-riquenha e cubana, veio ao palco secundário acompanhada apenas com baterista, apresentar um espectáculo teatral, assente no seu carisma, no portento da sua voz e na fusão singular de Jazz, Pop, Hip-Hop, Rumba e demais variantes de música afro-latina.
A sua música está sempre marcada pelo classicismo, seja na execução das impressionantes acrobacias vocais, ou na forma como é usado como apoio aos arranjos mais pop e vanguardistas, trazendo algo quase barroco, porém minimalista para a equação. Em constante permuta entre o inglês e o espanhol, canções como “Working All The Time”, “Ay Hombre”, “Hair Receding” ou o ponto alto do concerto “Diosa”, são canções-panfleto de assertividade individual, empoderamento feminino, questões raciais, uma mistura que certamente deixou marca nos poucos presentes que aguentaram até ao fim do concerto, e resistiram à debandada geral para o concerto de La Femme, que mal começou, invadiu sem pedir licença o palco secundário, impedindo de ouvir com nitidez o concerto, que embora não tenha terminado nesse momento, deixou de ter história para contar após esta intromissão.

No palco principal, os franceses La Femme ficaram com o sempre apetecível horário do pôr do sol para começar a festa da despedida. Antes deles, neste mesmo palco, a indie-pop ensolarada dos Far Caspian foi um bom aperitivo para aqueles que iam desfrutando do sol e da relva. De cariz completamente revivalista, a música deste quinteto vai pulando entre o Yé-Yé dos anos 50/60, aquele casual toque de psicadelismo e psycho-billy, mas sempre afável e dancável, porque se há ideia importante aqui é a coolness e leveza com que tudo isto se faz. 50 minutos de festa, dança e energia, num concerto muitíssimo competente e que, certamente, entrou para o pódio dos mais divertidos do festival.

Falando de diversão, é chegada a altura para abrir espaço para Princess Nokia. Certamente, o concerto mais inusitado e desconcertante deste festival. 15 minutos de concerto sem pisar o palco, apenas com o seu DJ a rodar vários êxitos de Eurodance (Barbie Girl, Vengaboys, etc., todos aqueles que nós sabemos), até à rapper nova iorquina entrar neste palco principal, pistola de água em punho, pronta a disparar água e tudo aquilo que cabe à imaginação sobre os demais, ao som de “American Woman”, celebrizada por Lenny Krevitz, mas aqui na versão original dos The Guess Who.
Musicalmente, o concerto assenta num alinhamento de canções Rap ou Trap da estirpe menos nebulosa e momentos mais pop, em que a cantora se aventura em incursões mais melodiosas, talvez não tão bem sucedidas. Mas será justo dizer que a perfeição não é algo a que Princess Nokia deva dar demasiada importância, a sua música descomplexada é mais sobre contexto do que forma, e “Gemini”, “Tomboy” ou “Brujas” serão disso exemplos bem conseguidos. De ascendência porto-riquenha, o concerto é uma celebração desta origem, de mensagens positivas sobre o próprio corpo, sexualidade, aborto, género, raça, sobre a importância de ser uma boa pessoa e, parafraseando, ”Eu sou tudo. E que o importa é ser boa pessoa, ámen”.

Entretanto, no palco secundário, é importante fazer esta paragem e este parágrafo para saudar uma actuação completamente incendiária de Yves Tumor e da sua banda, num dos melhores concertos de Rock deste festival, que certamente ficará na memória dos muitos presentes. O músico de Miami sempre foi uma figura idiossincrática e dada à metamorfose constante, disso é prova que paire agora por terrenos que vivem completamente distantes das electrónicas e ambientes de When Man Fails You, de 2014, e que, ao mesmo tempo, Safe in The Hands Of Love, de 2018, pareça parte de um caminho totalmente lógico até esta versão Glam-Rock, capaz de fazer inveja ao melhor Rock de encher estádios. Solos de guitarra, refrães cantados como hinos, tudo em confronto com as texturas lo-fi que se escondem na mistura. Nova e feliz identidade sónica para o norte-americano, que foi acendendo o rastilho para um concerto sempre em crescendo e que culminou com guitarrista e vocalista a fazerem crowdsurf ao som de “Jackie” e “Kerosone!”, em catarse completa do público e da banda.

Tyrone Frampton, mais conhecido por Slowthai, é figura de proa do Hip Hop britânico e autor do excelente Nothing Great About Britain, de 2019. Foi nos ombros do jovem inglês que caiu a responsabilidade de manter os espíritos em altas antes do concerto dos veteranos Pixies, e num dia de alguma confrontação ideológica entre novas sonoridades, novas formas de olhar para a vida, para os seus encantos e desencantos, a escolha revelou-se interessante e acertada. O palco que se preencheu sozinho, nunca pareceu grande demais para a sua música. “ENEMY”, “CANCELLED”, “45 SMOKE”, dão início ao concerto, ao mosh intenso que não há-de parar tão cedo, e à entrega total em cerca de 45 minutos vividos numa atitude sempre rebelde, intensa, desafiante, “Estão a viver a vida? Ou é a vida a viver-vos a vocês?”, pergunta a dada altura.
Algo do que torna a música de Slowthai especial é a reverência pela própria música britânica. É, no fundo, punk-rock feito com recurso às melhores lições do seu próprio Hip-Hop, ecos bem audíveis de Grime e Jungle que desabam num Trap iconoclasta, contestatário e poderoso, isto quando não ouvimos Sleaford Mods, Clash e Sex Pistols em “Deal Wiv It” ou “Doorman”, último tema do concerto e dedicado às pessoas de classes mais baixas, a todos aqueles que sentem que não podem seguir com os seus sonhos pela sua classe e estatuto social. Vívida declaração de afronta e oposição a todos os que em posição de privilégio praticam o oposto disso. Vitória retumbante para o rapper de Northampton.

Se há coisa que fica presente desta edição de Paredes de Coura é que nem só de voz, guitarras e bateria vivem os bons concertos. Num mundo em incansável e constante mudança, esta edição serviu para matar saudades, para refugiar e abstrair durante uns dias, para ver que ainda é possível ver milhares de pessoas unidas por esta coisa bela que é ouvir e partilhar experiências através da música. Quem diria que, após quase 30 anos, um festival tão particular, numa praia fluvial do Alto Minho continua a ser especial. Foi bom voltar. Até para o ano!
Fotografias: Francisco Fidalgo