Há algo de especial em Vilar de Mouros, há uma magia que coabita com o ar que respiramos.
Talvez seja a beleza das margens do rio Coura, talvez sejam as paisagens verdejantes, ou talvez seja por ter sido aqui que aconteceu o primeiro grande festival de música moderna. Ou talvez seja por tudo isso. A verdade é que sinto, e não serei o único com toda a certeza, que estou num lugar mágico e de enorme beleza. É sempre um enorme prazer voltar a este lugar e, se houver boa música, tanto melhor.
DIA 1
A dar início à edição 2025 do festival, e como tem sido hábito, tivemos uma banda local oriunda de Vila Praia de Âncora, o projeto Dubaquito. Ainda em tenra idade e a darem os seus primeiros passos no mundo da música, este projeto aproveitou da melhor forma esta oportunidade e deu um concerto condizente com o dia e lugar: bonito, quente e encantado. Seguiu-se um quinteto de bandas britânicas: Altered Images, Starsailor, The Stranglers, James e The Kooks. Os escoceses Altered Images trouxeram energia e carisma ao palco de Vilar de Mouros, revisitando alguns dos seus maiores êxitos que marcaram a década de 1980, já os ingleses Starsailor protagonizaram um concerto competente e honesto, arrancando uma saudação entusiástica por parte do público, cabendo aos The Stranglers trazerem a Vilar de Mouros a sua mescla de sonoridades que percorrem universos desde o punk às nuances mais jazzísticas.
Mas a multidão que se ia aproximando do palco estava ali, na sua maioria, para verem os senhores que lhes seguiam. Apesar de já terem dado mais de 50 concertos por todo o Portugal, praticamente, os James continuam a mover multidões e os seus fãs são fieis até ao osso. Não sendo propriamente um fã de James, fiquei impressionado com a prestação dos britânicos, que já não se agarram apenas aos refrões orelhudos e apostam numa vertente mais “poderosa”, com duas baterias em palco, que estavam em constante disputa, agarrando desde o início os milhares que ali se encontravam. Claro que não faltaram os êxitos maiores da banda, como “Sit Down”, “Sometimes” ou “Laid” e, como seria de esperar, este foi o momento alto da noite, com Tim Booth a aproveitar para surfar por cima do público. A noite terminou com os The Kooks, que viram muito do público a ir embora enquanto ainda estavam a atuar, mas ficou quem interessava, os verdadeiros fãs do indie rock deste quarteto. Um ótimo concerto que, na minha humilde opinião, teria resultado melhor se tivesse acontecido antes dos James.
DIA 2
O segundo dia era o mais aguardado ou não tivesse como cabeça de cartaz os lendários Sex Pistols. Já lá vamos. O dia começou com a atuação do power-trio feminino Girlband!, projeto ainda a dar as primeiras pisadas musicais mas que já atuou, este ano, em festivais de verão conceituados como o SXSW de Londres, Glastonburry e Tsunami Festival em Espanha. A atuação em Vilar de Mouros, onde mostraram o som indie-punk rock orelhudo, provou ao público português que são um projeto a ter debaixo de olho. Seguiu-se mais uma banda inglesa, desta feita os Godfathers que trouxeram um bom rock and roll ao extenso recinto de Vilar de Mouros, ainda o sol brilhava e aquecia o público cada vez mais numeroso. Do outro lado do atlântico, vieram os Payale Royale que tinham muitos fãs encostados às grades, que demonstraram bem o quanto admiravam o art-glam-rock deste projeto norte-americano. Muita energia, garra e emoção neste momento da noite.
Aguardávamos a entrada em cena dos The Damned quando surge em palco Captain Sensible, guitarrista da banda, acompanhado com o seu cão que estava vestido condizente com o seu melhor amigo, momento que gerou um “ooooohhh” da plateia, tornando-se, assim, o momento mais-fofinho da edição deste ano do Vilar de Mouros. O que se seguiu, pouco tem de fofo, é em, quase tudo, o oposto a isso. Rock cru, ruidoso, enérgico e veloz, sem grandes artefactos, apenas notas que se atiram a nós e ali perduram. Mais uma banda lendária que podemos ver ao vivo e a cores, naquele idílico cenário! Um dos grandes concertos desta edição.
Para ser franco, nunca imaginei que veria um concerto dos Sex Pistols na minha vida, muito menos em 2025. Durante o concerto belisquei-me algumas vezes para ter a certeza que estava acordado. Gostei? Claro que sim. Amei? Talvez não, mas isso porque, tal como os elementos dos Sex Pistols, eu já não tenho 20 anos, o sangue já não ferve da mesma forma nas minhas veias e a atitude, tão importante no punk, tem uma cor diferente. Todos os que ali se encontravam preferiam ter visto Johnny Rotten no comando, mas também é verdade que Frank Carter teve uma prestação credível e forte. Quando vamos para um concerto de Sex Pistols esperamos uma raiva descontrolada, caos, destruição, mas isso é passado e aquilo que queremos nem sempre é o que obtemos. Ficará, certamente, na história como um bom concerto do que resta dos Sex Pistols com o convidado Frank Carter. Para mim, ficará guardado nas minhas melhores memórias ou não fossem eles uma das bandas mais importantes, de sempre, do rock!
Este ano, a abertura de cada dia esteve a cargo de uma banda mesmo conhecida, a dar os seus primeiros passos. É uma boa forma de ajudar a promover algumas bandas, dando oportunidade às mesmas de atuarem num palco de grande dimensão, perante alguns milhares de ouvintes. Ainda que muita das vezes o público não esteja colado às grades junto ao palco, pelo menos nesta altura do dia, todos ouvem o que está a acontecer em cima do palco e não deixa de ser uma belíssima oportunidade para se darem a conhecer. Neste terceiro dia, coube ao projeto Girl Scout, que nos chegam da Suécia e mostraram uma grande maturidade em palco. Belíssimo som produzido por pessoas que sabem o que estão a fazer. Mais uma descoberta, para acompanhar. A segunda banda portuguesa a atuar este ano no palco de Vilar de Mouros, foram os Hybrid Theory, banda tributo dos Linkin Park. Não precisam de grandes apresentações, o sucesso deste projeto transcende fronteiras e têm arrastado verdadeiras multidões para os verem atuar, sendo considerados uma das melhores bandas de tributo do mundo. Neste final de tarde, foi mais um desses concertos potentes que têm dado um pouco por todo o lado. Logo depois, vindos da Bélgica, a banda que, entretanto, já confirmou a sua presença na edição de 2026 de Vilar de Mouros, os Triggerfinger. Belo concerto de hard rock e blues, com muita vida, muita alegria e muito público a vibrar com este trio. Para o próximo ano, há novamente isto tudo!
A noite já tinha expulsado o sol do céu, quando o hardcore punk dos suecos Refused começou a soar bem alto no recinto do festival. Alerta de spoiler: foi o melhor concerto deste ano em Vilar de Mouros, sem qualquer dúvida! Energia, atitude, potência, entrega, tudo nas porções certas, retribuído de igual forma pela enorme plateia. Que delícia de concerto, que catarse sónica ali aconteceu, que tanta falta faz a este recinto. Que venham muitos mais como este! Infelizmente, este enorme concerto foi também o último em Portugal, já que os Refused vão encerrar a carreira. Uma despedida perfeita!
A fechar a noite, os Papa Roach, banda que nasceu durante o auge do nu-metal nos meados nos anos 1990. Ao contrário de muitas outras, souberam evoluir e não ficarem presos exclusivamente a esse género musical, mantendo uma carreira ativa, mesmo apesar de alguns altos e baixos. Eles continuam fiéis à identidade da banda e honestos com aquilo que fazem. Um concerto que foi muito mais do que apenas música, foi também espetáculo visual com muito jogo de luzes e explosões de fumo, mas também uma oportunidade de trazerem a um grande número de pessoas a questão tão importante como a saúde mental. Durante largos minutos, Jacoby discursou sobre isso mesmo, recebendo uma enorme ovação por todos os que ali se encontravam. Um concerto explosivo e um momento que nos tocou no coração.
Nota: infelizmente, e com muita pena nossa, não foi possível estar presente no último dia do festival. Lamentamos e prometemos que no próximo ano será diferente!
Ao longo de mais de 50 anos deste festival houve momentos incríveis, mas também alguns menos bons, como em tudo na vida, e isso faz deste festival uma espécie rara, porque apesar de todos os contratempos e profecias ele continua aí, de pedra e cal, a sobreviver, mantendo-se forte num mundo bem diferente daquele que era em 1971. A edição de 2025 foi bem melhor que a sua antecedente, com menos ruído desnecessário e com mais gente no recinto a vibrar. É bom ver que Vilar de Mouros resiste a tudo e que continua a ser um festival para todos!
Texto de Dulce Ribeiro e Jorge Resende
Fotografias: Jorge Resende

































































































































































































