Thom Yorke voltou. Está aí de novo. Sempre que regressa é como se D. Sebastião tivesse voltado. É desta que vamos ter mais uma obra-prima. Agora é que é. Todos os que gostam dele pensam assim, agem assim. Eu sou desses. Mal surgem os rumores, começa logo a fervilhar essa expectativa infantil, a mesma que me tomou quando soube que iria regressar. E regressou mesmo.
Tomorrow’s Modern Boxes é o novo trabalho de originais que assina a título próprio depois de The Eraser, em 2006. Como dizia, as expectativas eram (como sempre são) enormes, e as primeiras opiniões foram desmotivantes. Muito mais gente a dizer mal do que a dizer bem, muito mais gente a clamar por mais um flop. Fui ouvir: queria testar por mim próprio, depois de ler o que se escreveu sobre o trabalho (como prefiro sempre fazer), as coisas menos boas que se diziam. Ouvi, gostei, e desenhei uma possível razão para tanta gente olhar de lado para a carreira a solo de Yorke.
Quer queiramos quer não, o vocalista dos Radiohead é uma das maiores referências músicas contemporâneas. A música da banda tocou a fundo milhares de pessoas, criou séquitos de fãs, construiu uma identidade. Por muito que os últimos trabalhos do grupo inglês tenham sido mais próximos daquilo que é Yorke a solo, o vincado cunho de rock alternativo dos seus primeiros trabalhos deu-lhes estatuto para terem alguma margem de manobra no que toca à experimentação. E Tom é isso, experimentação. É isso o que a sua carreira a solo é. Experimentar novas texturas, novas construções, novos géneros. Acho que é daqui que nasce o franzir de olho mais geral que cai sobre os dois trabalhos que fez sem o resto do grupo inicial. Somos criaturas de hábitos e isso reflete-se na nossa escolha musical, por isso muita gente que não o ouve agora assim fá-lo porque espera ouvir Radiohead, não Thom Yorke. Não digo que este seja o caso com todos que o oiçam, mas acredito que o é com muitos deles. A imagem que criou como grupo turva a opinião, mesmo inconscientemente, e isso dificulta a avaliação real daquilo que se ouve. Se o mesmo álbum que aqui será dissecado fosse assinado por um qualquer miúdo novo que só alguns conhecessem, seriam as críticas as mesmas? Tudo bem que o seu passado já lhe dá coisas que outros não têm, mas, mesmo assim, será justo avaliá-lo mais por essas mesmas coisas em vez daquilo que realmente se ouve?
Como dizia, Thom Yorke a solo é experimentação, e é isso que se ouve neste álbum. Tendo já quase todos os caminhos da instrumentalização orgânica sido trilhados, diminuindo assim, de alguma forma, a margem de manobra no capítulo da inovação, o mundo digital surge como uma nova forma de fazer música. Música nova, que nunca se ouviu antes, que não seja só mais um reaproveitamento de géneros dourados de outros tempos. Isso é o que a música eletrónica representa. Não toda aquela que se faz, mas uma que alguns criam com mestria e refinação. James Blake, Flying Lotus, Aphex Twin e… Yorke, são exemplos de alguns nomes que caem nessa categoria.
Tomorrow’s Modern Boxes, numa primeira audição, cai certeiro naquilo que é o estilo dos trabalhos eletrónicos de Yorke. Uma sonoridade estóica, soturna, onde o minimalismo refinado reina. Linhas de baixo monótonas, mas profundas, põem a mesa para um conjunto complexo de pormenores sonoros muito simples: simples individualmente, mas intricados quando combinados. «Brain in a Bottle» abre o disco precisamente assim, num para-arranca rítmico mexido (em comparação com o resto das músicas, pelo menos) que vai surgindo em camadas que ganham coesão quando a voz entra, o relaxante falsete característico do inglês, reforçado por um reverb espacial, que é talvez o único ponto de contacto entre este Thom e os Radiohead. «Guess Again!» segue-se, já com um bocadinho de ligação ao mundo corpóreo que surge com o piano de fundo. Fora isso mantém-se a aposta numa sonoridade digital, pacífica, sem grandes flutuações. Muito boa, esta faixa.
O álbum segue, sempre com uma solidez musical muito grande. Só há duas grandes diferenças nesta área ao longo das oito músicas do disco: ou está parado ou em marcha-atrás, querendo isto dizer que não há alegria nem grande dinamismo musical, pelo contrário. Temos introspeção e quase espiritualidade, num estilo mais pensativo que dançante. Há faixas um pouco mais mexidas (embora muito pouco) como «The Moder Lode», «There Is No Ice (For My Drink)» – muito boa – ou «Nose Grows Some», e outras molengonas e invernosas como «Interference», «Thruth Ray» ou «Pink Section».
De um modo geral, o disco leva-nos para um cenário cinzento, uma apneia da realidade onde viajamos num buraco negro, cheio de vazio, um vazio que é tudo menos seco. Não falamos de música que move multidões, mas sim de algo mais introspectivo, mais relaxante, digno de ouvir na cama com as luzes apagadas e de olhos fechados. É um bom disco, mas não é um bom disco para toda a gente. De um modo geral, gostei: não é uma viragem de 180 ° naquilo a que já nos habituou (muito pelo contrário), mas, o que faz, fá-lo sempre bem.
Não me vou alongar muito sobre a forma de distribuição do álbum: por muito que seja exposta como uma tentativa de democratizar a distribuição cultural, não passa de uma manobra de publicidade. O que importa na música é… a música, e nesse capítulo estamos bem servidos. Mais que estarmos bem servidos, ficamos cientes de que Thom Yorke continua a ser um pioneiro do movimento eletrónico, por muito que ainda o continuem a ver como vocalista de uma banda rock.