Em Criminal, a voz de Luis Vasquez a.k.a. The Soft Moon fugiu da nuvem atmosférica em que se escondia e ecoa com uma força tempestuosa. O quarto álbum do projeto é todo emoções à flor da pele, uma viagem catártica pelas angústias do seu criador.
Luis Vasquez é um nómada. Há 10 anos, deixou a Califórnia e, desde então, já passou por Buenos Aires e Veneza. Neste momento, vive em Berlim. Desta vez, a mudança de casa é de um tipo diferente: deixou para trás a Captured Tracks, onde editou Deeper (2015), e foi acolhido pela Sacred Bones Records. A partir desta nova base, o homem por trás de The Soft Moon oferece-nos o seu registo mais sujo e negro.
Criminal não é, de todo, uma mudança radical; é antes uma continuação natural daquela que tem sido a evolução musical do projeto iniciado em 2009. Neste novo disco, somos submersos numa mente atormentada por traumas, através de um registo darkwave que vai buscar tanto aos The Cure de Faith e Pornography, como ao industrial de Trent Reznor e Marilyn Manson, salpicado pelo techno mais pesado a vir do Berghain. O resultado é uma viagem difícil, que nos leva até às experiências mais negras que existem na existência humana. A honestidade brutal das letras e a crueza dos instrumentais transformam este álbum num excelente disco – provavelmente o melhor de The Soft Moon até à data.
A maior diferença do quarto disco para aqueles que o precedem é, sem dúvida, a voz. Em Criminal, Vasquez deixa-se ouvir como nunca antes – deixou de ser só mais um elemento na mistura das faixas. Em entrevista à Treble, o músico explica porque é que a sua voz soa tão zangada e carregada de emoção: “Este é o meu quarto álbum. Nos últimos oito anos, tenho tentado curar-me e não tem resultado, por isso é um bocado um ato de desespero.”. Contudo, ao contrário do que pode parecer ao ler esta frase, este desespero não torna Criminal um álbum forçado. Pelo contrário, é bastante coeso e consistente. E é neste ato de desespero que reside a força por trás deste álbum.
Neste sentido, a faixa de abertura, “Burn”, mostra-nos um Luis Vasquez que perdeu todo e qualquer medo de expor as suas emoções cruas. Por cima de um baixo denso e de guitarras a berrar feedbacks, a dor é palpável no seu grito: “Eyes / Reflecting the person that I am / And it burns”. Em “It Kills”, somos outra vez confrontados com este peso da honestidade, com versos como “I ache for anything / That tears me down / The more and more I drown”. Embora não tão agressiva como a primeira, esta faixa – que lembra os VANIISH do ex-Soft Moon Keven Tecon – chega a ser igualmente barulhenta nos pontos de maior tensão da música.
Aqui, a catarse fica próxima, mas é em “Born Into This” que Vasquez finalmente explode a atmosfera asfixiante que vai construindo ao longo do álbum. A música arranca com um loop incessante de bateria e sintetizadores deformados que, depois, evolui para uma versão psicadélica dos Nine Inch Nails de The Downward Spiral. Na vanguarda desta investida está, mais uma vez, a voz de Luis Vasquez, que aqui parece purgar uma auto-depreciação tóxica (“I’m so cold I should split / To wash away all the shame”).
A frontalidade com que Vasquez confronta o ouvinte nas suas letras, por várias vezes, incomoda. A franqueza com que se despe e fala abertamente de depressão, traumas infantis, abuso de drogas, ódio ou raiva mexem connosco. Na música “Like a Father”, o artista confronta-se com as agruras que crescer sem pai lhe causou e atribui os seus defeitos a este fantasma ausente (“You’re the ghost of my problem”).
Apesar de, muitas vezes, serem compostas por um número reduzido de palavras, as letras compensam com a entrega de Luis Vasquez a cada momento. Ao mesmo tempo, a produção nos instrumentais deste álbum não nos deixa abstrair do que é cantado: o som é sujo, cru, agressivo, sem nunca perder um sentido melódico que já tinha sido desenvolvido em The Soft Moon, Zeros e Deeper. O resultado é um álbum cinemático, cheio de imagens retorcidas e dementes.
Contudo, Vasquez parece mostrar alguma esperança na libertação dos seus demónios. Em “Young”, o músico imagina-se mais velho a falar com o seu eu do presente e diz “I think I’ll stay / ‘Cause it makes me feel fine”. Na espetacular faixa-título “Criminal”, a prisão que pede para si é a sua salvação: “Save me / Lock me down”. É um confinamento que o livra dos tormentos que o perseguem e o deixa livre para o mundo. Se foi bem-sucedido ou não, só o próprio saberá dizer. O que é facto é que o seu processo criativo – que Vasquez diz ser a maneira com que melhor tem aprendido a lidar consigo – produziu um excelente álbum. É um feito a que poucos atos de desespero podem aspirar e, só por isso, já vale muito.