Mais erótica do que temerosa, mais blasfema do que sagrada, Anna von Hausswolff faz do órgão um instrumento de auto-veneração. Mas Dead Magic é um requiem de música extrema que esmurra como se o ouvissemos da nossa própria sepultura.
Do nascimento à morte, o órgão é um instrumentos omnipresente no Ocidente. Faz a banda sonora de variadas cerimónias religiosas, desde casamentos a funerais, acompanhando hymns e réquiens que até as almas mais profanas já converteram.
Não houve conversão religiosa no caso de Anna von Hausswolff. Mais erótica do que temerosa, mais blasfema do que sagrada, a sueca faz do órgão um instrumento de auto-veneração. De mãos e pés às teclas do órgão da maior igreja de Copenhaga, a Marmokirken, cuja cúpula é inspirada na basílica de São Pedro, Hausswolff gravou seis canções sacrílegas que compõem Dead Magic, o seu quarto longa duração.
No centro de todos os temas está, claro, o orgão, não fugindo muito às progressões melancólicas que nos habituara com o antecessor The Miraculous. Contudo, a nota artística está na embalagem: a paleta de sons é mais negra, reverberada e agressiva, a entrar no campo do stoner metal. Ou não fosse produzido por Randall Dunn, produtor e colaborador dos lendários Sunn O))).
Como acontece em “Ugly and Vengeful”. A canção é de 16:17 minutos, mas justifica o quarto de hora com o arrasto, de guitarras drone à Godspeed You! Black Emperor e taroladas à Dead Can Dance, que culmina numa maléfica misturada entre instrumentos e o portento soprano da sueca.
Se o disco é sonoramente ambicioso e sobrenatural, liricamente é o romantismo gótico de sempre. Dead Magic aborda o segundo tema preferido da escandinava: a forma a mortalidade é subvalorizada. Citando o poeta sueco Walter Ljungquist, Hausswolff escreve no folheto do disco que o destino do ser humano é “uma linha patética que contorna um silêncio infinito, onde as lendas nascem”. “Na nossa era já não existem lendas porque vivemos privados de silêncio e segredos.”
A morte (ainda) é dos grandes segredos da existência humana. Pegando na premissa do disco, apreciamos a beleza da vida ingerindo o horror da mortalidade – e Dead Magic é um requiem de música extrema que esmurra como se o estivéssemos a ouvir da nossa própria sepultura.