Injustamente esquecidos pela História, os Pretty Things deram um concerto inesquecível no Sabotage e demonstraram que não é apenas a fama, o dinheiro, cliques e visualizações que ditam a qualidade nos dias de hoje.
Com um público maioritariamente masculino mas com casa bem composta, a banda britânica preparava-se para se despedir dos palcos nacionais com a mesma intensidade com que veio a este mundo, há mais de 50 anos. Com concerto marcado para as 22:30 mas já com uma hora de atraso, sexagenários entretinham-se no Shazam a tentar descobrir pérolas do garage lançadas pelo habitual DJ de serviço da casa, Nuno Rabino, acompanhado do mítico A Boy Named Sue. Antes do concerto começar, a noite já estava ganha. Mas o melhor ainda estava para vir…
Liderados pelo carismático Phil May, a banda conta ainda com o guitarrista original, Dick Taylor, o guitarra ritmo Frank Holland, membro desde os anos 90, aos quais se juntaram os novatos George Woosey, no baixo, e Jack Greenwood na bateria. Uma mistura de veterania com juventude para aguentar as agruras da estrada. Foi esse o alinhamento de banda que, segundo o próprio May nos contou, mais gostou de trabalhar e tocar.
Nesta tour dos Pretty Things celebramos duas coisas: o fim dos Pretty Things enquanto banda ao vivo e os 50 anos da sua obra-prima, S.F. Sorrow. O seu último concerto será em Londres, a 13 de Dezembro, com David Gilmour, Van Morrison e Bill Nighy como convidados. Por tudo isto, era importante estarmos presentes nesta última passagem da banda por Portugal.
Os Pretty Things são aquilo que se pode chamar um erro histórico. Um banda que tinha tudo para ter tido, pelo menos, o mesmo nível de notoriedade que uns Animals, Them ou, quem sabe, The Who. A História não foi justa e a banda de Phil May e Dick Taylor é, hoje em dia, conhecida apenas por alguns arqueólogos musicais que teimam em deixar esquecer estas pérolas.
Mais incrível ainda é o facto de Dick Taylor ter feito parte da génese dos Rolling Stones. Juntamente com Keith Richards e Mick Jagger, ambos colegas de escola, formaram um conjunto a que deram o nome de Little Boy Blue and the Blue Boys. Quando Brian Jones apareceu, em 1962, a recrutar gente para a sua banda – Rollin’ Stones – todos aceitaram. No entanto, apenas cinco meses após ter aceite o convite de Jones, Dick Taylor deixou a música para estudar Arte, em Londres, sendo substituído por Bill Wyman. Phil May, também colega da mesma escola de todos os outros nomes mencionados, convenceu Dick Taylor, anos mais tarde, a formar uma nova banda, a qual deram o nome de Pretty Things, em homenagem à música de Willie Dixon, cantada por Bo Diddley.
Inseridos na vaga da British Invasion, os Pretty Things foram tendo algum sucesso. No entanto, más decisões de managers, comportamentos erráticos e constantes mudanças de membros da banda fizeram com que nunca explodissem. Qualidade nunca faltou aos seus discos, tanto na fase inicial como na mais psicadélica e experimental, onde realçamos os excelentes Emotions e, sobretudo, S.F. Sorrow, uma das primeiras operas-rock a surgir na história da música. No entanto, o disco foi mal publicitado, acabando por ser lançado nos Estados Unidos apenas um ano após o seu lançamento no Reino Unido, já depois de Tommy, dos The Who, ter sido publicado, o que pareceu fazer que eram os Pretty Things a irem atrás da banda de Pete Townshend.
Com tantas más decisões, a banda acabaria por ser separar nos anos 70, juntando-se aqui e ali mas sem o brilho atingido na década anterior. Enquanto isso, Brian Jones, Jagger e Richards tornaram-se nos The Rolling Stones e o resto é história.
Em Lisboa, 50 anos depois do lançamento do seu melhor disco, os Pretty Things tentaram vingar a vida madrasta, dando um concerto inesquecível, talvez o melhor que o Sabotage já tenha presenciado, com uma setlist que ia desde o psicadelismo ao garage, passando pelo blues e r&b. Verdade seja dita, Phil May já não tem a voz poderosa e áspera que tinha. Os seus 74 anos notam-se e não é nenhum Mick Jagger, que continua a correr quilómetros em cada concerto que faz, mas o que lhe falta em voz e dinâmica ganha em presença e vontade. Em relação ao seu velho amigo Dick Taylor, quem não estivesse a conseguir ver o palco, pensaria que seria um dos elementos mais novos a fazer aqueles solos loucos. Um olhar mais atento veria que o velhinho Taylor, de 75 anos, continua numa forma incrível, tanto na guitarra eléctrica, como a fazer slide na acústica, homenageando Robert Johnson, Muddy Waters e Bo Diddley.
Entre elogios à cidade de Lisboa, onde esteve demasiadamente bêbado em vindas anteriores, a pequenas estórias entre Dick Taylor e Keith Richards (“não tinha lá grande jeito para a arte), os Pretty Things fizeram um bom compêndio das suas melhores músicas, passando por “Mama Keep Your Mouth Shut”, “Don’t Bring Me Down” ou “Rosalyn”, do seu disco de estreia, “Midnight To Six Man” ou “LSD” de Get The Picture?. S. F. Sorrow esteve bem representado com várias músicas, incluindo a sua canção título ou as surreais “Defecting Grey” ou “She Says Good Morning”.
A meio do set, e em jeito de acalmia, só com Phil e Dick no palco, tocaram clássicos do blues e “R&B”, em homenagem aos seus heróis Robert Johnson (“Come On In My Kitchen”), Muddy Waters (“I Can’t Be Satisfied”), Willie Dixon/Howlin’ Wolf (“Little Red Rooster”) e Bo Diddley (“You Can’t Judge a Book by the Cover” e ainda um medley com Mona/Pretty Thing/Who Do You Love.
Com o fim do concerto, quase duas horas depois, a interrogação que ficou no ar por parte de todos os presentes, terá sido por que razão o destino foi tão madrasto com os Pretty Things? Com todo o respeito pelo Sabotage, uma casa fantástica e que sempre primou pelo (bom) rock n’ roll, a banda britânica merecia estar a fazer a tour de despedida em frente a milhares de pessoas, com todo o reconhecimento a que teriam direito. Assim não foi e, no entanto, os Pretty Things mostraram que o bom rock não tem limite de idade ou data de validade. O resto do mundo pode não saber quem são, mas a sua música fala por si.
Fotografia: Hugo Amaral