Por uma noite, num evento chamado Christmas Punk & Roll, para celebrar a quadra mais solitária do ano, num ambiente familiar, junta-se uma bela cambada.
Começo a escrever este texto precisamente quando faltam 10 minutos para as 7 da manhã, depois de uma direta completamente desnecessária, apenas pontuada por sestas num cadeirão, e por uma gata a saltar para um cobertor que me tapava enquanto as minhas pálpebras faziam a travessia por um filme português não-continental que me partia o coração com má escolha atrás de má escolha. Como se isto tudo não bastasse, tenho o aquecedor que me lixa a conta da luz ao final do mês mas que tem um efeito de lareira falsa nada convincente que eu adoro e que cheira a plástico tóxico quando o ligo.
Por outras palavras, estou em casa.
E é assim que me sinto cada vez que entro pelas portas da ADF, Academia Dramática Familiar, perto de Belém, muito por culpa do seu programador residente Luís Krânio (creio que o nome verdadeiro dele é Alberto Krânio) e a incansável Ana Dantas. Juntos enchem a casa com o maior número de portadores de couro possível, seja em casaco ou em pele, e o ambiente rapidamente fica revestido de caras conhecidas prontas para mais um bailarico. São caras não só conhecidas, mas que conhecem os ritmos e as batidas mais irreverentes vindas de Alvalade, onde o punk sempre foi mais verde do que o próprio Sporting.
Um dos motivos pelos quais estão na ADF, para além de acabar com o stock local de cerveja, é para celebrar um dos nomes mais carismáticos a pisar palcos portugueses – João Pedro Almendra. Vindo dos Ku de Judas, Peste & Sida, Censurados e Punksinatra, João Pedro está agora com os seus Almendras, uma banda mais jovem que complementa, na perfeição, os calos e as marcas de uma presença capaz de estremecer as dobradiças de qualquer porta. Toda a jovialidade e precisão do pessoal com os instrumentos não funcionaria se João Pedro não estivesse à altura, mas está. Não só está, como mostra que é capaz de ser o mais alto deles todos. Talvez não faça disto vida, mas foi isto o que a vida fez dele. E não há ninguém melhor para percorrer todo um catálogo repleto de músicas das super bandas supracitadas (desenrolem lá essa frase, por favor). Os Ku de Judas, como o documentário de Paulo Antunes sobre o próprio Almendra, diziam que já estavam fartos. Eu digo: “Vai, vai. Ataca João Pedro. Atira-te a eles!”. Esta última frase é uma referência barata a “Pedigree” – uma música do projeto Luta Livre, de Luís Varatojo, onde Almendra está na lista de convidados.
Soma 60 anos de vida, 41 de carreira. Nota-se? Claro que sim, seria estranho se isso não acontecesse. Não irei mentir e dizer que está mais jovem do que nunca. Mas cão velho quando ladra, dá conselho. E quando é o João Pedro Almendra a ladrar, todos ouvem.
A seguir, somos atingidos por um Torpedo, de nome Victor, que cada vez que dá um concerto, dá o concerto, e depois dá tudo e mais alguma coisa. Às vezes está com os Pop Kids, desta vez abana-se todo com os The Parkinsons, a banda de sequela aos Tédio Boys e cujo núcleo principal conta ainda com Afonso Pinto na voz e Pedro Chau no baixo. Para rematar, chamam o baterista que estiver nas imediações. Desta vez, temos o grande Miguel Benedito no seu primeiro ano com a banda. Se há coisa que gosto de ver num baterista, para além de o ver a tocar, são as expressões faciais. Ora Benedito, bem certo, estamos perante um mestre. E ninguém do público faz cara feia ao que ele faz com tanto batuque, sucedendo muito bem às recentes e anteriores aquisições de Kaló, Ricardo Mendes e Paula Nozarri num rol de bateristas de fazer inveja aos Spinal Tap.
Para variar, a banda está em excelente forma. O suor de Torpedo é constante, os saltos também. A tatuagem no peito de Afonso Peito faz a sua tradicional, e pouco demorada, aparição. Os sorrisos em todas aquelas caras não enganam ninguém. Por uma noite, num evento chamado Christmas Punk & Roll, para celebrar a quadra mais solitária do ano, num ambiente familiar, junta-se uma bela cambada. No final, todos juntos, cantam a “So Lonely” dos e com os Parkinsons.
E, por uma noite, ninguém está sozinho.
Texto: Tiago Laranjo || Fotografias: Rui Gato





























