Jarvis Cocker e Chilly Gonzales levam-nos numa viagem ao passado de excesso e glamour do hotel Chateau Marmont, convidando os fantasmas da era dourada de Hollywood para um disco de um extremo bom gosto.
O Chateau Marmont, em Los Angeles, foi construído nos anos 20, bem por cima da icónica Sunset Boulevard. Em 1931, o edifício foi convertido em hotel, e foi aí, no quarto 29, que Jarvis Cocker reencontrou a inspiração musical para voltar a criar.
Jarvis, o histórico e carismático líder dos Pulp, nunca se foi efectivamente embora. A viver em Paris há vários anos, o seu último disco de originais, a solo, data já de 2009. Entretanto, tem organizado colecções de literatura, levou os Pulp a um documentário e a uma despedida na sua cidade natal, colaborou com os Air e com Charlotte Gainsbourg e tem conduzido o muito recomendável programa de rádio Sunday Service, para a BBC. Mas era hora de voltar aos discos.
No quarto 29, há um piano com o qual Jarvis começou a brincar. E, no meio da atmosfera antiga do Chateau Marmont, a inspiração veio. O hotel albergou e influenciou inúmeras figuras do entretenimento norte-americano: Sharon Tate, F. Scott Fitzgerald, Jim Morrison, Hunter S. Thompson, Jean Harlow, Billy Wilder e John Belushi (que morreu de overdose num dos bungalows do hotel), entre muitos outros.
Daí veio o conceito deste Room 29. Jarvis deixando as paredes falar, rodeado dos fantasmas de outras épocas, da folia, da frustração, da pressão e da luxúria do sucesso. Mas o cantor não é um pianista, e lançou a ideia ao seu amigo e vizinho de Paris, Chilly Gonzales. Este é um músico com formação clássica, embora já tenha colaborado com meio mundo da pop alternativa e lançado discos bem diferentes.
A parceria funciona em cheio, e é da exclusiva intimidade destes dois solitários homens que se constroem as forças deste disco. São 16 temas lentos, esparsos, na sua maior parte apenas o piano subtil e bonito de Gonzales e a voz omnipresente, entre o falado e o cantado, de Cocker.
Este sempre foi um observador, alguém que está de fora a olhar, mesmo nos tempos mais bem sucedidos dos Pulp. E sempre foi, indiscutivelmente, um dos maiores letristas das últimas décadas, conseguindo com poucas frases pintar uma imagem mental e vívida para o ouvinte. Lembremo-nos de “Duckdiving”, um tema que os Pulp gravaram para uma sessão de John Peel, com Jarvis em registo ‘spoken word’ sobre uma cama musical subtil. E aqui Cocker, o ‘voyeur’, está em território familiar. Só que não está a falar de noitadas deprimentes em Sheffield, mas sim do glamour decadente da era dourada de Los Angeles.
Se Jarvis está de volta à sua boa forma, Chilly brilha de forma subtil e elegante. Os temas são de matriz clássica mas não demasiado óbvia, com o pianista a fazer o marfim brilhar ao serviço da narrativa. Algumas cordas, aqui e ali, fazem o resto.
Room 29 é, assim, um disco de um extraordinário bom gosto. Um álbum intemporal e perdido no tempo, que nos leva numa suave aura de sonho por tempos passados. Uma parceria que está destinada a ficar como um marco na carreira de ambos os músicos.