Quando tudo parecia indicar o triunfo da mediocridade, houve pequenas aldeias gaulesas que nos ajudaram a resistir. Da Suécia para o mundo, os carregadores da tocha foram os Hives.
Nos últimos anos do século XX o mundo era um lugar estranho. Havia a excitação nervosa por se estar a chegar ao ano mais mitificado de sempre e andava tudo meio perdido perante a expectativa de fim do mundo e outras profecias avassaladoras.
Na música, estava tudo ainda mais perdido. Já tinham passado as febres do grunge, da britpop, do trip-hop e a indústria estava a começar a ser invadida, com ataques certeiros aos primeiros lugares dos tops de vendas, por bandas que praticavam o (desde sempre e para sempre abominável) nu-metal. Claro que havia bandas que continuavam a existir e a fazer acreditar num mundo melhor, não esquecer que Ok Computer saiu em 1997, em 98 os Air estreavam-se com Moon Safari e em 99 Beck lançou Midnite Vultures. Os R.E.M., Red Hot Chili Peppers e Beastie Boys continuavam a existir, sim, mas quando falamos de rock, salvo algumas gloriosas excepções, a regra apontava para um cenário meio desolador graças ao já citado – e nunca demais enjoativo – nu metal.
Apesar de ter conseguido instalar-se bem instalado nas tabelas de vendas e nas t-shirts de adolescentes, era mister impedir o avanço mundial galopante deste fenómeno que, decerto, não traria nada de bom ao mundo. Hoje, em 2021, sabemos o que nos salvou e, por isso, celebramos os 20 anos de Is This It, mas na altura ainda não sabíamos o que aí vinha. Por isso, foi tão fundamental a existência de bandas que, se mais nenhuma utilidade tiveram, serviram de tampão e contribuíram para manter acesa a chama do rock e, assim, abrir espaço para a chegada de bandas como os Strokes, Franz Ferdinand, Interpol ou Arctic Monkeys, que fizeram o rock voltar a ser uma coisa sexy.
E é aqui que encontramos, entre outros (Black Rebel Motorcycle Club ou The White Stripes, por exemplo) que foram fundamentais, os Hives. A banda sueca tinha lançado o álbum de estreia em 1997, onde era, basicamente, só punk hardcore de garagem, mas, ao segundo disco, já abrandou um pouco o ritmo e revestiu as músicas de mais alguma melodia.
A começar pelo título (apropriação do “cheguei, vi e venci” de Júlio César), os Hives surgem com uma confiança enorme, quase a roçar o excesso de ego, mas não o fazem com sobranceria e até acabam por ter alguma graça nisso. Veni Vidi Vicious, lançado em Abril de 2000, é um excelente prenúncio do milénio. Para os Hives, é o disco que os leva para fora da Suécia; para o rock, é um disco que vem lembrar que se pode continuar a ser cool de all-star e calças rasgadas nos joelhos a ouvir riffs de guitarra maiores que a vida.
O álbum tem 12 músicas e não chega aos 28 minutos de duração, tem alguns singles que perduram (“Hate to Say I Told You So” e “Main Offender”) e teve sucesso comercial. E, mais que isso, apresentou ao mundo uma das melhores bandas ao vivo que tivemos na primeira década do século XXI – passaram por Portugal algumas vezes e pudemos comprovar esse estatuto.
Não é uma obra-prima, não é inventivo nem revolucionário, mas é um disco fulcral porque permitiu que não se deixasse o rock ‘n roll resvalar para as franjas do underground. Abriu as portas do indie rock e, só por isso, merece o nosso carinho eterno. Além disso, os próprios Hives vieram beneficiar desse rejuvenescimento do rock e, durante um breve período na História, foram uma banda relevante e pertinente. E mérito ainda porque, depois dos Abba e Roxette, voltaram a abrir o canal de exportação de música vinda da Suécia (agradeçam Mando Diao, I’m From Barcelona, Lykke Li, Teddybears, Jens Lekman, Goat, etc etc).
Grande disco!