O disco mais bem sucedido dos Cure marca o fim do período áureo da banda, feito à custa de uma exímia mistura de mestria pop e da sua personalidade alternativa de sempre.
Editado em 1992, Wish acabou por viver num choque de oportunidades. Por um lado, vivíamos em plena época de explosão grunge, com as bandas americanas a dominarem todo o cenário (a Britpop começaria a equilibrar a balança um pouco mais tarde). Por outro, era o tempo do domínio mundial da televisão em formato música, sobretudo a omnipresente MTV, que acabou por abraçar os Cure e ajudá-los a tornarem-se, finalmente, gigantes.
Na verdade, Wish completa uma trilogia de discos que ajudaram a tornar a banda britânica uma das forças mais poderosas da música alternativa, e se ainda hoje andam por aí a encher concertos muito se deve a esse triunvirato: Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me (1987), Disintegration (1989) e Wish (1992) foram três sucessos de público e de crítica, garantindo muito do material obrigatório em qualquer best-of da banda de Robert Smith.
O grande valor de Wish está na síntese perfeita que consegue fazer dos dois discos anteriores. Por um lado, está lá a investida pop de Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me; por outro, o lado romântico mais introspectivo e da beleza destruída de Disintegration. O resultado é um disco acessível mas ao mesmo tempo denso e profundo, capaz de agradar aos fãs mais antigos (desde que não odeiem grandes singles, e há alguns) e aos que nunca tinham sequer imaginado gostar de Cure.
Tudo se resume, como sempre, às canções. São as grandes canções que fazem um grande álbum. E em Wish elas aparecem em catadupa.
O arranque é fortíssimo com “Open”, canção de quase sete minutos de uma densidade e um desespero lindíssimo. Logo a seguir, uma maravilha pop chamada “Wish”, até hoje uma das canções mais reconhecíveis da banda. “Apart” leva-nos aos tempos de depressão labiríntica de Disintegration, num dos temas mais tristes de sempre e que terá sido banda sonora de muito desespero amoroso por esse mundo fora (o autor destas linhas naturalmente incluído).
Segue-se a densa “From the Edge of the Deep Green Sea”, o tema mais longo do disco com mais de sete minutos, sempre numa ansiedade triste e servida por um riff simples mas absolutamente eficaz. Já “Wendy Time” traz-nos os Cure pop de Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me ou dos tempos de “Lovecats”, antes de uma sequência de duas maravilhas pop. Primeiro, “Doing the Unstuck”, uma canção agridoce de luta e de renascimento, e um dos momentos mais altos do grupo. E, de seguida, a bomba “Friday I’m in Love”, estrondoso single que ecoa até hoje ao primeiro acorde.
O ritmo baixa com “Trust”, mas não a qualidade. Tema lento, muito bonito, e novamente destruidor de corações, ou a música ideal para quando precisamos mesmo muito de sentirmos pena de nós próprios, juntamente com o já mencionado “Apart” e com “To Wish Impossible Things”, já perto do fim do disco.
Mas há ainda tempo para mais um grande single pop, no formato de carta, neste caso “A Letter to Elise”. E para “Cut”, em que Smith canta um dilacerado “I wish you felt the way that I still do”, que nos atira de imediato para a adolescência. Wish termina com “End”, um delírio monolítico a roçar o noise, que acaba por não acrescentar grande coisa, e talvez o único tema dos 12 deste disco que não atinge o nível de excelência dos restantes.
Wish foi o disco mais bem sucedido comercialmente dos Cure, vendendo milhões, chegando a número 1 no Reino Unido e número 2 no mercado norte-americano. Acabou também por marcar o fim do crescimento da banda, que não mais voltaria a tempos de tanto brilho, muito menos a conseguir encarreirar três grandes discos de seguida, como aqui aconteceu entre 87 e 1992. Passariam quatro anos até à edição do sucessor, Wild Mood Swings, que longe de ser um mau disco mostra já sinais de uma fadiga da qual os Cure nunca recuperaram.
Foi aqui, com este extraordinário disco de 1992, que os Cure tocaram o céu. Ouvi-lo agora é voltar a viver tudo de novo, o bom e o mau, como os grandes discos são capazes de fazer. Quem o conhece, que volte lá, se não tiver medo do que irá reencontrar no nosso baú dos traumas e das grandes vitórias. Quem não conhece, não hesite. Não é preciso agradecer.