Fire of Love é uma bonita história de amor. De amor de um homem e de uma mulher com a exuberância dos vulcões. Isso mesmo, vulcões. Mas também de um homem, Nicolas Godin, que resolveu musicar essa idílica e tão particular relação sentimental.
Não é muito comum escrever-se, aqui no Altamont, sobre bandas sonoras. Muito menos ainda (talvez seja mesmo a primeira vez) sobre uma banda sonora de um documentário da National Geographic. No entanto, como bem se sabe, há sempre uma vez inicial para tudo, pelo que desconfiamos que este texto confirmará a conhecida regra. Assim sendo, resta uma questão, que talvez comece a ganhar forma na cabeça de quem agora nos lê: no meio de tantos e tantos álbuns disponíveis para crítica, qual a razão desta tão inusitada escolha? A resposta não é difícil, e em poucas linhas ficará dada: trata-se de um trabalho de Nicolas Godin, parte da dupla Air, o que nos parece sempre merecedor de interesse e curiosidade. Por outro lado, a segunda e última razão poderia bem ser a primeira. O que se ouve em Fire of Love é, de facto, muito bonito e bem capaz de nos fazer enredar durante um largo período de tempo nas lavas de som que se apresentam perante nós, de tão elegantes e cativantes. Estamos perante a banda sonora de um documentário sobre o casal Maurice e Katia Krafft, vulcanólogos de primeira linha, e que morreram ambos enquanto trabalhavam durante a erupção do Monte Uzen, no Japão, ao terceiro dia do mês de junho de 1991. Dançavam com o perigo e isso foi-lhes fatal.
Fire of Love tem a curta duração de trinta e nove minutos, repartidos por quinze faixas, todas elas unidas por uma mesma estética, embora com variantes que facilmente se notam, tanto melódicas como de ritmo. Não há qualquer efeito vocal, nem letras para serem cantadas. O som de instrumentos electrónicos, sobretudo, e pouco mais. Antigos keyboards e afins. Tudo muito caseiro, uma vez que também o casal Krafft usava métodos muito primários para a captura de som, fotografias e filmes durante as suas investigações por todo o mundo. Esse lado rudimentar do seu trabalho enquanto vulcanólogos foi o suficiente para Nicolas Godin não querer usar instrumentos de ponta na feitura desta banda sonora. Ainda bem, uma vez que o álbum saiu, assim, com o sentimento certo, sem extravagâncias desnecessárias.
Fire of Love tem um pouco do encanto que sentimos em alguns dos momentos da discografia dos Air. Isso torna-se claro, sobretudo em “Team Vulcan”. É Air puro, esse momento. Nas restantes catorze faixas, essa semelhança não se torna tão notória. No entanto, o que vai sobressaindo é uma enorme capacidade de Godin captar imagens sonoras partindo de um documentário de Sara Dosa, realizadora conceituada e vencedora de vários prémios internacionais. Imagens de imensa beleza que documentam, supostamente, os ambientes extremos das vidas documentadas, as particularidades vividas entre homens e vulcões, entre seres humanos e lavas, vapores, perigos tão próximos mas também tão desejados que, a certo ponto, se tornaram íntimos. O que Nicolas Godin traduz neste Fire of Love, é esse sentimento de proximidade com uma beleza potencialmente mortal, mas beleza mesmo assim. Em “Pedagogic”, por exemplo, há uma espécie de caminho iniciático, sombrio e brilhante ao mesmo tempo, uma porta de entrada para todo o álbum. Lindíssimo! Assim como beleza semelhante encontramos em “Honeymoon” (talvez o tema mais parecido com uma canção clássica), mas também em “Destroy and Create” (robótica, por vezes lembrando uma mistura de kraut com Jean-Michel Jarre) e o mesmo em “Approaching the Beast”, devastadoramente romântica. Muitas outras faixas são bem mais ambientais, mas nunca apenas isso. Há sempre um extra que as diferencia, algo que as torna importantes no todo de Fire of Love.
Nicolas Godin, depois de alguns trabalhos a solo, fez com Fire of Love uma pequena obra-prima. A expressão, sublinhamos, não deve ser entendida como uma ideia vã. Sendo discutível isto que dizemos, como todas as opiniões sempre serão, sentimos haver em Fire of Love o romantismo existente no casal que o documentário revela. As vidas de Maurice e Katia mais não são do que uma bonita história de amor, assim como a música de Nicolas Godin também o é. Uma história de amor à música e de amor ao que ela representa enquanto manifestação artística.
Fire of Love teve, pelo menos até ao momento, uma única edição de apenas cinquenta cópias em vinil, assinadas pelo próprio Nicolas Godin. Estão há muito esgotadas, claro. Suspeitamos que nunca mais aparecerá, nesse ou em qualquer outro formato físico, infelizmente. Assim, só mesmo nos canais efémeros do costume se pode ouvir essa pequena e frágil peça feita para o filme-documentário do mesmo nome, Fire of Love. A não perder, filme e música.