Ao segundo disco, os Temples temperam o seu psicadelismo com pitadas de prog e de madchester. As canções continuam brilhantes mas não será a sua obsessão revivalista que fará o século sair de onde está.
A pop do século XXI está doente. Perdeu a faculdade de inovar, de avançar sem medo pelo futuro adentro. Tornou-se velha e nostálgica, obcecada com o passado, folheando sem fim os velhos álbuns de família. O revivalismo psicadélico – tão caro aos Temples – é um dos sintomas mais agudos desta patologia da modernidade.
Há algo de paradoxal neste resgate do passado. O psicadelismo original de ’66 e ‘67 era profundamente futurista, um corte abrupto com o passado, explorando sonoridades nunca dantes navegadas. Quando cinquenta anos depois se regressa às mesmas harmonias e ambiências do psicadelismo original está-se a emular apenas a superfície da coisa, traindo o espírito experimentalista da época. Lennon e Syd Barrett descartariam certamente o neo-psicadelismo como reaccionário. Com toda a razão.
Uma das tragédias desta moléstia retro é que canaliza a criatividade das novas gerações para um empreendimento que na sua essência é anti-criativo. Este desperdício de talento é bem evidente nos britânicos Temples, putos com uma inventividade melódica fora do vulgar, mas que a desaproveitam em exercícios de pastiche tão estéreis como engenhosos. O primeiro álbum, Sun Structures, pode ter uma saborosa sensibilidade pop, com uma taxa de ganchos melódicos por metro quadrado de fazer inveja a Paul McCartney; mas a sensação de dejá vu é omnipresente, com citações descaradas aos Zombies, Beatles, Floyd e T-Rex.
Ora, a primeira impressão a ouvir Volcano é a de uma refrescante novidade face a Sun Structures. Mesmo que matriz dominante seja ainda a pop psicadélica dos sixties, o álbum é agora dominado pelo sintetizador moog e não pela guitarra, dando um forte travo prog que estava apenas subterrâneo no álbum de estreia. Da mesma maneira, a bateria é agora descaradamente dançável, com os sabores kraut e madchester a assomarem sem vergonha à superfície. A simplicidade pop de Sun Structures dá lugar a um registo mais denso e barroco, que exige várias audições para uma correcta digestão. Se o primeiro álbum já tinha uma atmosfera vaga e etérea, a neblina de Volcano é bem mais cerrada, texturas turvas que nos entorpecem a razão e nos afundam no pântano do sonho. Em resumo, Volcano é ao mesmo tempo mais dançável e mais denso do que Sun Structures; o que não deixa de ser um curioso paradoxo.
Contudo, se Volcano é, de facto, um passo em frente face ao álbum de estreia, padece da mesma enfermidade revivalista, pelo que, para todos os efeitos, é mais um passo atrás. Talvez as referências estéticas sejam agora mais amplas mas a doentia obsessão pelo passado permanece tão intensa como outrora. Enquanto estes geniozinhos da pop desperdiçam o seu talento a citar Kinks (“Roman God-Like Man” pisca o olho a “David Watts”) e Mike Oldfield (“Mistery of Pop” rouba a melodia de “Moonlight Shadow”), o futuro da pop continua por encetar.
O problema não são os Temples (uma grande banda), nem tampouco Volcano (um grande álbum). O problema é este maldito século que se apaixonou pelo seu passado. Manel Cruz bem nos avisou. O amor é uma doença quando nele julgamos ver a nossa cura…