Talvez não estejam preparados para este bom lote de canções. Sobretudo pela novidade krautiana que algumas delas carregam, fazendo deste Modern Kosmology um surpreendente disco de Jane Weaver.
Pois é, Jane Weaver turns into kraut and pshych. É isto que apetece dizer (em voz alta) no arranque deste texto. As suas performances mais acústicas, de pendor mais folk alternativo, que sempre pudemos encontrar desde o inicial Like An Aspen Leaf (2002), parecem ser chão que deu uvas. As de agora, se quisermos insistir na frutícola ideia, dão outro sumo, um quase vinho inebriante em que as tonalidades sonhadoras de uma quase constante estrutura psicadélica (mas sem alardes, sem artifícios de monta) se fazem notar, e bem, durante a maior fatia do disco. A par disso, uma dose muito simpática de motorika faz-se igualmente ouvir, engrossando o corpo de algumas canções. Mas há mais: sintetizadores a meio caminho entre os anos setenta e os da década seguinte (na belíssima “Slow Motion”, por exemplo, tão cantarolável que apetece andar por aí a espalhá-la aos sete ventos), assim como um ou outro lugar de maior recolhimento (sendo a canção “Valley” bom exemplo do que digo).
No entanto, aquilo que mais fascina é a pulsação quase constante da batida kraut que Jane Weaver decidiu trazer para os seus sons de 2017. Em muito boa hora, claro. São vários os temas onde se escuta esse pulsar mágico, vibrante, cheio de tensão. Desde logo através da canção que abre Modern Kosmology (“H>A>K”), passando por algumas mais, como “Did You See Butterflies?”, talvez a minha preferida entre todas, ou ainda “The Lightning Back” a fazer lembrar as deliciosas Au Revoir Simone dos primeiros tempos (por onde andarão agora as três beldades e os seus versos de comfort, assurance & salvation?).
Modern Kosmology traz consigo bastantes boas ideias, todas elas elegantes, por vezes recheadas de um certo minimalismo, o que lhes confere um inegável e irresistível charme. Uma outra fascinante canção, que nos remete para o fim anunciado da condição humana, é “Ravenspoint”. Com uma linha de baixo tão pungente quanto hipnótica (sim, o space-rock também pode ter estes suaves contornos), “Ravenspoint” não se cansa de nos informar o que sabemos desde sempre: “We’re on our way to dust”, pedindo-nos, mesmo assim, que abramos os olhos ao que nos rodeia (“É no ar que ondeia tudo! É lá que tudo existe!…”, como bem lembrava Mário de Sá-Carneiro, enquanto ia pulindo as suas unhas).
Já próximo do fim, a moderadamente eletrizante “I Wish” encerra o álbum da melhor maneira, nunca deixando que o brilho do seu ritmo se perca ou se mostre vulgar. Se o disco abre com a já referida “H>A>K”, estranha e suja canção, fecha com a clareza limpidez de “I Wish”. Tudo perfeito, portanto.
Confesso que não esperava ouvir ecos de Neu!, Cluster ou La Düsseldorf num disco de Jane Weaver, apesar de lhe reconhecer capacidades de grande viajadora, digamos assim. Mas fica-lhe muito bem esta roupagem. Tanto assim que o que mais desejo é que volte a efetuar voos semelhantes, rumo a paragens sem tempo e sem lugar. Que este Modern Kosmology se faça ouvir e que dê frutos por esse espaço fora. Até porque os que dele colhi são deliciosamente suculentos.