Salutz foi o princípio do fim dos Taxi. É pena porque é o melhor disco deles e um dos melhores álbuns portugueses da década.
Depois de Taxi em 1980, que dá logo estatuto à banda de ponta de lança do rock português dos anos 80, e em 1982 com Cairo, surge Salutz em 1983. Sem ska saltitante, sem guitarras rock, é muito mais avant-garde, ao nível do que faziam os The The, por exemplo. E muito, mas muito, mais dançável.
Por todo o disco ouvimos graves preparados para a pista de dança, baterias com eco e baixos com ritmo e notas agudas preparados para um Portugal que não o estava. Este foi afinal um fracasso de vendas, depois de dois tiros certeiros com o público, e que levou a The Night, tentativa de internacionalização que, segundo consta, não teve a campanha necessária para coisa de tal envergadura. Mas o falhanço de Salutz não é inteiramente culpa do público, mas da expetativa criada por um grupo habituado a dar rock.
E é de Salutz que falo, e de como é o melhor álbum dos Taxi e ainda mais. Nas palavras do produtor António Avelar de Pinho, personagem intrinsecamente ligado à produção cultural a partir dos anos 80 – que já merecia um livro ou documentário sobre o seu papel na música portuguesa, na televisão e na cultura pop nacional – o álbum foi criado como um disco de dança para noites de verão como se se tratasse de uma expedição de aventuras de banda desenhada. Em rasgos muito gerais, Salutz é sobre instantes de amor e paixão e a busca por algo.
O álbum conta só com oito canções, todas elas mais a atirar mais a uns Heróis do Mar que ao som “normal” dos Taxi, com uma excelente gravação e masterização (o produtor foi o mesmo), e letras que não pretendem ser mais do que são , que se há algo em que os Taxi sempre foram bons foi em escrever canções com piada e com pequenas histórias. O disco começa com “Sing Sing Club”, com um riff de guitarra tímido. Aqui é espaço para sintetizador, baixo e bateria. A letra podia ser parte de um dos trabalhos anteriores e agarra-se ao riff de guitarra no refrão, como forma de dar um bocado de seguimento aos anteriores álbuns, mas a meio já surge o sintetizador e até um solo de piano. “Oxalá Lá Lá” pega perfeitamente com o tema anterior, fala de querer estar perto e podemos dizer que também tem algo de ligação com Cairo, tema título do anterior trabalho, por causa da quebra do refrão e do toque de madeira que se ouve no meio da canção. É um tema com algo de inesperado, com a bateria a quebrar aquilo que seria um andamento convencional e um final à capela perfeito para misturar com a próxima canção num set de DJ que se preze.
Mas em Salutz o que se segue é “Tamborim”, a canção mais single deste disco. Tematicamente, fala das tais noites de verão e vai acompanhado de um baixo estilo Mick Karn, que percorre o braço do instrumento e que se controla apenas para dar lugar ao refrão. Conta com uma parte instrumental com um pequeno mas competente break de bateria que pedia por uma remistura de 12 polegadas e podia ter sido presença constante nas noites portuguesas se o disco tivesse tido mais atenção. Em “Novas Aventuras de Bingo Bongo” temos um tema que remete para algo tribal, com os sons de fundos a remeterem à tal ideia génese do disco de umas aventuras de banda desenhada. Apenas com 2 minutos e 50, é a faixa mais curta do disco.
Resta ainda dizer que com Salutz, os Taxi conseguiram entregar um disco bem equilibrado, que soa como um todo e não apenas como coleção de canções soltas. Em “Apaixonei-me” há uma guitarra, tímida como todas neste disco, que está praticamente submersa na mistura, num tema carregado ao colo pelo baixo e bateria. E em “Prazer” temos algo de Duran Duran, também eles vítimas do encasilhamento, neste caso não no rock ska mas no teen pop da altura, e que hoje continuam a ter bonitas e dançantes canções e o merecido reconhecimento que ainda falta a Salutz. “Prazer” é para mim outro dos pontos fortes do disco. O teclado que desliza no refrão, as vozes em coro e o fim de refrão com a nota puxada do baixo e sim, algo que até pode ter paralelismos com um “TVWC”, por exemplo. Liricamente simples mas impossível de não dançar ou pelo menos dar ao pé, vai seguida de “Instante”, a mais fraca do disco, com toques a Spandau Ballet, onde podemos imaginar João Grande, Rui Taborda, Jorge Loura, Nelson Santos e Hugo Pereira de fato azul claro num imaginário videoclipe. E Salutz termina com “Se Vale a Pena, Vai”, com coros estilo Duran Duran.
Parece é que a banda não é muito fã deste trabalho, pelo menos por histórias ouvidas no meio, de problemas com a concepção e o afastamento do “seu” som. É certo que Cairo foi considerado na altura um dos melhores discos de sempre feitos em Portugal e é difícil seguir isso sem repetir o mesmo, por isso entendo que esta jogada e o flop de vendas possam ter criado na banda a ideia de que este é um disco maldito ou esquecível.
Sim, há um mundo diferente entre qualquer canção de Salutz e “Chiclete”, apesar de distarem apenas 3 anos entre elas, mas isso não indica que um seja pior que o outro, e se limparmos o pó dos anos, este é um dos melhores trabalhos new wave portugueses de sempre, ao nível do primeiro álbum dos Heróis do Mar. E como os próprios cantam a terminar o disco, “Há sempre um refrão que vale a pena trautear, quando há melodia“. E vale mesmo a pena este Salutz.