Spirit of Eden é uma rara pérola, escondida numa ostra negra do tipo Pinctada Margaritifera Margaritifera, só encontrada na exótica ilha do Tahiti.
“I like sound. And I also like silence. And, in some ways, I like silence more than I like sound.”
Esta frase, proferida por Mark Hollis, vocalista e mentor dos Talk Talk, é a essência de Spirit of Eden. A tapeçaria que nos foi bordada por Hollis, Lee Harris (bateria) e Paul Webb (baixo), com a preciosa ajuda do produtor/teclista/escritor Tim Friese-Greene, é um emaranhado de instrumentos vários e silêncio, intrincada e magnífica peça de adorno, radical e seminal. Não é por acaso que é visto, hoje em dia, como sendo o disco que fez nascer todo um novo género, o pós-rock.
Mas recuemos um pouco no tempo, ao período 1982-84, quando os Talk Talk tiveram os seus 15 minutos de fama, primeiro com um single com o nome da banda, depois (e sobretudo) com “It’s My Life” canção e It’s My Life disco, o seu mais reconhecido, lançado em 1984, e que os fez juntarem-se a nomes como Duran Duran, OMD, Soft Cell, Depeche Mode, Yazoo na moda da vez – o synth-pop. Apesar do sucesso comercial, a banda cedo quis mostrar que não era esse o seu principal objectivo, fazendo escolhas deliberadas para se afastar do mainstream. O videoclipe de “It’s My Life” (que bem poderia ser um excerto de um qualquer episódio de Vida Selvagem) nada mostra da banda, a não ser um Hollis enfadado num jardim zoológico. Felizmente, a EMI não estava a prestar atenção aos sinais e foi-lhes dando tudo o que queriam.
O disco seguinte, The Colour of Spring, já mostra um lado mais inventivo dos Talk Talk. Ainda vendeu bem, fruto do êxitos passados, mas já não há synth-pop, e calcificando a imagem de outliers, a sua performance mais conhecida foi no Festival de Jazz de Montreux (incrível, by the way). Após o final da tour, a banda decidiu não mais tocar ao vivo.
Chegados a 1987, Hollis tinha o que mais desejava – um orçamento maior para se espraiar. O seu pensamento musical estava agora virado para a exploração, e as suas referências não eram bandas rock, mas sim Debussy, Erik Satie e Ornette Coleman. A banda transformou os Wessex Studios, uma antiga igreja em Londres, num casulo de escuridão, tendo apenas como iluminação alguns candeeiros de mesa na sala de controlo, um strobe perto da bateria de Lee Harris e um projetor espécie de candeeiro de lava, que lançava glóbulos coloridos no teto. Cinco dias por semana, das onze da manhã à meia-noite, durante oito meses, numa penumbra amaciada por fumo de cigarros, assim se fez Spirit of Eden.
Composto por apenas seis faixas, o álbum tem de ser tomado/deglutido/absorvido como um todo, já que é pouco perceptível quando ocorre a transição entre músicas. Hollis e comparsas surpreenderam o mundo (e a EMI, o que resultou num processo judicial…) com a sua textura musical, composta por mudanças repentinas de ritmo, interlúdios de silêncio, voz sorumbática ou aos gritos consoante o momento. Importa também realçar que a experiência deve ser imersiva – não é disco para se ouvir enquanto se trabalha, ou no trânsito, precisa de audição activa para se absorver a peça. Arrisco dizer que, muito provavelmente, sem Spirit of Eden não teríamos Sigur Rós, Mogwai, Explosions in the Sky como os conhecemos hoje.
Mark Hollis deixou-nos em 2019, mas o legado está aí, ao ouvido de semear. Será uma experiência certamente enriquecedora para quem nunca lá foi.
Alguém que me percebe. Descobri e senti esta pérola ainda em tempo real nos oitentas e perdura até hoje, de tempos a tempos visito estes sons apenas para me relembrar de que ainda consigo sentir