O ano era o de 1994. Os Suede já tinham feito história: o disco de estreia, editado um ano antes, já havia sido amplamente aclamado, globalmente marcante, inusitadamente histórico para um primeiro tomo. Dog Man Star chegou então. Faz agora 20 anos. Continua intemporal, trágico, denso, negro, embor com um túnel de esperança intermitentemente à vista.
Dog Man Star foi o último registo dos Suede gravado com o guitarrista e compositor Bernard Butler, que viria a abandonar a banda ainda antes do lançamento do álbum. Butler não era mero coadjuvante do vocalista e líder Brett Anderson; antes formou com este uma das mais icónicas duplas da britpop: sem a tempestade afetiva dos manos Gallagher e distantes do lado mais nerd e cerebral dos Blur, eram uma dupla que tinha na ambiguidade sexual traço distintivo maior. Em palco, eram dois rapazes de Londres magros, despidos de pilosidade facial, libertinos e andróginos – os vídeos na internet cravam ainda mais fundo a ligação dos Suede com a sensualidade e a sexualidade.
Butler, diz a lenda, não estava a gostar do rumo que a produção de Ed Buller estava a seguir. Ao mesmo tempo, as pretensões de eternidade de Brett Anderson chocavam com a personalidade e musicalidade de Butler, nesta fase mais voltado para si mesmo, mais experimental e absorvido em complexidades sónicas. «The Asphalt World», por exemplo, surgiu no disco numa versão de cerca de nove minutos e meio, mas a versão original do tema tinha perto de meia hora; nela havia um solo de guitarra de oito minutos.
Ou saía Bernard Butler ou a banda trocava de produtor. Saiu Butler. As guitarras ficaram à porta do estúdio, o músico nelas pegou, em casa recolheu, e as pazes com Brett Anderson só viriam a ser feitas mais de 15 anos depois.
«I want the style of a woman, the kiss of a man», canta Brett, talvez não por acaso, em «Introducing the Band», faixa de arranque de Dog Man Star. Disco teatral, épico, muito cénico e que alia o bom gosto pop a alguma saudável megalomania pelas cordas, foi à época estranhado por alguns, mas é hoje, para boa parte da legião de fãs, o disco central da carreira dos Suede. Ambiciosos como nunca antes e depois, queriam aqui conquistar o mundo, pegá-lo de frente, embrulhá-lo nas entranhas e devolvê-lo com batom por toda a parte.
Musicalmente, é um disco ávido e sequioso, rico nas suas diferentes opções estilísticas: piano, voz, viola e cordas em «Still Life», final de jornada perfeito, contraste entre o doce do quase silêncio e a tempestade do desabar da vida; «New Generation», o tema mais rock e ritmicamente forte; «The 2 of Us» e «Black or Blue», sequência infalível para derreter almas e corações; mais, muito mais: «The Power» encantador como na primeira vez, «Daddy’s Speeding», «This Hollywood Life», ainda feroz e agreste.
Na altura, Anderson quis distanciar-se da britpop que o anterior Suede havia começado por cimentar. Dog Man Star era carnal, visceral, épico e vincadamente pessoal, o oposto das canções feitas por e para os heróis anónimos da classe trabalhadora, o pessoal dos pubs e de toda uma canalização para o mundo de quão bom era o desprendimento social.
O uso de drogas e o exponenciar do subconsciente não podem ser desprezados na conceção do disco. «We Are the Pigs», por exemplo, resultou de uma visão de Anderson do armagedão num futuro mais ou menos próximo. Fala-se de ecstasy, o consumo de cocaína era uma constante, mas o entusiasmo sazonal não apagava personalidades que cultivavam a solidão e um isolacionismo que, na verdade, não era real – uma das virtudes de uma banda tão densa, especial e diferente como são os Suede é precisamente o facto de levarem quem neste mundo entra a sentir uma afetividade rara no mundo da música. É como estar em casa, no conforto e nos demónios, tão deles, embora tão nossos e únicos.
Dog Man Star é um clássico não totalmente compreendido. O tempo tem-lhe feito bem, não que dele dependa uma maior página na história da música – o que está nestas 12 faixas é inatacável e intocável, mas, quase sempre, as feridas mais profundas são as que demoram mais a sarar. E esta nossa ferida, sim, uma que nunca fechará por completo, tem vindo a ser ao longo dos anos uma dor partilhada por cada vez mais acólitos.