Sempre fui um pouco resistente ao som de St. Vincent, confesso. Explico melhor, para que não me interpretem erroneamente: nunca consegui perceber o fascínio imediato e sincero que tanta gente tem pela senhora em causa, nem nunca entendi tantos encómios atribuídos pela critica da especialidade. Esforcei-me ao ponto de ouvir com atenção os seus primeiros dois discos, e nada… Reconheci a qualidade dos álbuns em questão (isso, ou seja, o seu valor, parece-me inquestionável), mas havia sempre alguma aresta que ficava por assimilar. E, pior ainda, era essa parte menos positiva que acabava por preencher, na minha cabeça, a totalidade do seu inegável valor. Cheguei a ter muitas esperanças no disco que gravou com David Byrne, músico que desde muito cedo aprendi a gostar, e de quem só tenho boas memórias dos concertos que dele vi, e dos discos que dele tenho, tanto com os saudosos Talking Heads, como a solo. E tenho-os todos, note-se. Resultado: nova deceção parcial, digamos assim. Curiosamente, já muitos meses depois de ter saído (em março de 2014, ou em 2013 como consta na contracapa do cd?) dou comigo a fazer nova tentativa de aproximação: a rodela de policarbonato de St. Vincent intitulada St. Vincent entrou na gaveta mágica e começou a tocar. De início, tudo na mesma. O meu sangue continuava a correr como sempre correu quando a ouvia em trabalhos anteriores. Mas alguma coisa foi-me convidando a carregar no repeat, e esse fator indizível (é terrível quando não sabemos bem como chamar as coisas pelos nomes, não é?) entranhou-se como nunca havia acontecido em mim. Pareceu-me que o início do milagre que eu tanto desejara poderia andar por perto. O que terá, então, acontecido? Não sei, nem me interessa, e por isso os próximos parágrafos serão redigidos mais no sentido das impressões, do que das certezas. Essas, se algum dia as tiver, talvez possam vir a fazer de mim aquilo que ainda não sou atualmente: fã.
«Digital Witness» e «Birth In Reverse» são, indiscutivelmente, boas canções. E como são boas, acabam por fermentar, tornando-se, aos poucos, melhores ainda. Isso foi importante para o meu ouvido desconfiado. Animou-me, deu-me confiança. Fui também encontrando, ao longo do disco, aquilo que me parecem ser ecos (distantes, eu admito sem qualquer dificuldade) de Kate Bush, por exemplo. A descoberta fez-me sorrir de agrado. Outra coisa que me pareceu óbvia é que este disco soa a um produto mais acabado, mais polido, o que sempre ajuda a cimentar a qualidade do material, sem que no entanto se descambe num cenário mais popular, o que a acontecer seria trágico. Por outras palavras, parece-me que St. Vincent deixou de lado uma ideia que pode ser irritante (e no caso vertente era, seguramente), que é a de fazer música espertinha, para entendidos, para os intelectualmente pós modernos, se é que me faço entender. (Eu avisei que avançaria mais com impressões do que com certezas, não avisei?). Ou seja, fui constatando ter em mãos um conjunto de coisas boas, de qualidade inquestionável, canções prontas a uma degustação auditiva mais demorada, mas também potencialmente mais prazerosa. Passei a saber, inclusivamente, que a senhora se chama Annie Clark, o que mostra bem o meu crescente interesse pela artista, e simultaneamente o meu quase total desinteresse anterior por ela. Investiguei, quis conhecer um pouco do seu passado, documentei-me. Tê-la visto num programa do Jools Holland também acabou por somar pontos a esta equação que estava difícil de resolver.
No fundo, e para terminar o que venho escrevendo, quero apenas dizer que a música, assim como outras manifestações artísticas, tem este condão especial, que é o da surpresa. Isso pode ser uma coisa estimável, como bem sabemos. Prevejo, no entanto, que num futuro próximo, eu e Annie Clark (prefiro tratá-la assim, agora que começa a haver entre nós alguma intimidade) voltemos a estar perante mais uma prova de fogo, embora me pareça também certo que eu já não estarei à partida tão renitente, e por isso mesmo St. Vincent me parecerá mais capaz de mexer com a minha tensão arterial. Veremos o que esta relação vai dar… Para já, posso dizer-vos que estou a gostar do namoro.