Tarde e noite brasileiras em solo luso. Ontem, nos Jardins do Marquês foi assim: o Rio de Janeiro esteve bem, mas quem ganhou de goleada foi São Salvador da Bahia.
Quando se nos abrem as portas, gostamos sempre de entrar. Foi o que aconteceu ontem, em mais uma edição do Festival Jardins do Marquês, em Oeiras. Antes de irmos aos concertos do dia de ontem, queremos recordar, de forma sucinta, o que ainda vem a caminho. Altamont é serviço público, convém não esquecer. Vamos fazer os devidos registos nas vossas agendas, então? Mario Biondi, Herman José e Quarteto e Jason Miles, atuarão dia 6 e, por fim, no derradeiro dia de concertos, os destaques vão para os Paralamas do Sucesso, icónica banda do BROCK (expressão dada ao movimento do rock brasileiro dos anos 80, sobretudo), Detonautas e Zanibar Aliens. Notas tomadas? Claro que sim. Vamos lá, então, puxar o filme atrás e regressar ao dia / noite de ontem. Os artistas em cartaz foram Rogê, Aline Paes e a cintilante estrela Simone.

Rogê iniciou o seu concerto com precisão suíça e britânica. O carioca não facilitou e revelou-se demasiadamente grande para um público tão pequeno. É sempre ingrato para os artistas, quando estas situações acontecem. Eram poucos, de facto, aquela hora, mas isso não fez com que Rogê (nascido exatamente um ano depois da nossa revolução dos cravos) não se libertasse para uma boa apresentação. De violão em punho, foi desenrolando o seu repertório com mais três músicos em palco, o percussionista (Siqueira), o baterista (Daniel Conceição) e viola baixo (Mateus). Muito do imaginário dos seus temas andam em torno do mar, das praias, das areias reluzentes (“No Abaeté tem uma lagoa escura / Arrodeada de areia branca”. – que bom ouvir de novo esses versos antigos), assim como os de “A Rã”, canção de Caetano Veloso, de muitos e idos anos. Em “Existe uma Voz”, Rogê canta “Em cada um de nós / Existe uma voz / Que mostra o caminho certo / Pra quem tá esperto” e foi mais ou menos isso o que ontem aconteceu na apresentação do seu concerto. Rogê é uma voz esperta, antenada, percebendo-se nela muito conhecimento e muita caminho feito ouvindo e estudando mestres, seguindo pelos atalhos que o levaram a eles e a outros mais genuínos lugares, porque mais seus. Concerto muito interessante. “100% Samba” e outros requebrados de outras geografias (“Bahia que não me sai do pensamento”) destacaram-se . Bom começo, bom início de final de tarde, sem dúvida.

Aline Paes foi a segunda artista do dia de ontem. Outra carioca nos Jardins do Marquês e uma excelsa baiana vinha ainda a caminho. Era quase “noite aberta”, quando Aline subiu ao pequeno palco Nortada, nome certeiro para o vento frio de ontem. É sempre outono no verão deste Festival. Não nos queixamos. Já estamos acostumados. “As águas do mar são claras”, cantou Aline em “Corpo Mar”, a primeira canção do se espetáculo. O concerto de Aline Paes teve como base o seu mais recente álbum Corpo Mar. Aline não tem um repertório orelhudo, é mais uma estilista da canção, gostando de incorporar nos seus temas alguns sons desafiantes, de vanguarda, embora sem exageros de maior. Sendo populares, há neles algum jeito arty, por entre sambas que não são bem sambas tradicionais, reggaes que não são bem isso (“Sonho Bom”) e outros ritmos do seu e do continente africano (“Mana que Emana” e “Petit Pays”), logo ali ao lado. Bonita foi a homenagem a Djavan. Do homem de Alagoas, veio uma improvável versão de “Azul”, e muitos foram os que entoaram os versos “o amor é azulzinho”. Partindo do Brasil, passando por Angola e Cabo Verde, chegou a Portugal com a canção “Senhora da Nazaré”. Bonito concerto! Apenas Aline Paes e o músico Djâmen em palco. Foi simples e a simplicidade bastou. Aline canta “um dia você acerta” e ela sabe bem o que diz, porque acertou. Os orixás abençoaram-na.

A Simone que ontem se apresentou nos Jardins do Marquês para o espetáculo Acontecer é um nome seguro e mais do que consagrado da música popular brasileira. Com largas décadas de carreira, a artista que um dia resolveu colocar uma estrela na vogal i do seu nome, há muito que não é a mesma que conhecemos em Quatro Paredes (1974), Gotas d‘Água (1975), Face a Face (1977), Cigarra (1978) ou Pedaços (1979), álbum esse que conquistou de vez o público português. Esse período dos anos 70 foi maravilhoso e cada um dos álbuns mencionados é histórico, sem margem para dúvidas. Depois foi aligeirando o seu repertório, tornando-se mais popular ainda e foi conquistando o trono de rainha no país irmão. Uma rainha entre várias outras, claro, mas rainha mesmo assim. Foi com “Coisa Feita” que começou. Logo a seguir, a extraordinária “Para Lennon e McCartney” e, num ápice, fomos todos cowboys da América do Sul. Salve os eternos Lô Borges, Márcio Borges, Fernando Brant e Milton Nascimento, sempre! “Encontros e Despedidas”, logo de seguida. Instante supremo, acreditem, cantada a meias com Ana Costa. “A hora do encontro é também despedida”, seguramente, por entre caminhos presentes e passados. Por isso, todo o concerto foi um desfilar de canções eternas, como “Alma”, “Jura Secreta” (tão perfeita para chorar nostalgias, meu Deus…), “O Que Será”, “Começaria Tudo Outra Vez”, “Começar de Novo”, “Sob Medida”, “Iolanda” (meu Deus, de novo as nostalgias à flor da pele!), “Paixão” (foi bonito cantar “Depois do terceiro ou quarto copo / Tudo que vier eu topo / Tudo que vier, vem bem / Quando bebo perco o juízo / Não me responsabilizo / Nem por mim, nem por ninguém”), “Separação” e muitas mais, que isto de fazer a reportagem de um concerto não se pode confundir totalmente com a setlist do mesmo.
Na voz de Simone sente-se que o tempo passou, mas que não a tratou mal. Ainda vai havendo algum merecimento nestas coisas dos artistas com a passagem dos anos, felizmente. Está bonita e radiante, como sempre esteve e foi. De guitarra elétrica a tiracolo (imagem poucas vezes vistas) cantou a muito bonita “Gente Aberta”, do enorme Erasmo Carlos, e de novo as valsas da nostalgia e do adeus fizeram-nos flutuar, dançando pelos jardins de outros bons e saudosos tempos! Talvez tenha sido o melhor momento entre muitos, de todo o concerto. Grande tremendão, sem ponta de dúvida. Mas há que colocar as tristezas de lado e “Deseperar, Jamais”. Ainda houve lugar para muitas outras canções míticas, a saber “Tô Voltando”, “Canta, Canta, Minha Gente”, “Tô que Tô” e “Ives Brussel”, embora não exatamente por esta ordem, o que pouco ou nada importa. Importante, isso sim, foi perceber que Simone ainda consegue, e bem, dominar palcos e plateias, levando ao delírio os presentes, como aconteceu ontem, na grande noite do Festival Jardins do Marquês. O caminho para casa foi feliz, embora ventoso e frio, mas “resistindo na boca da noite um gosto de sol”. Mesmo assim, todos sabemos que “nada será como antes, amanhã”. Haverá sempre futuro quando os mestres do passado se tornam presentes. A vontade de te ver de novo, Simone, é já muita, e o desejo de te ouvir dizer “Tô Voltando” como resposta a um futuro convite para que regresses a terras lusas, manter-se-á de forma permanente.
Fotografias: Felipe Kido
































Obrigado, Cynthia Calixto!
Emocionantes palavras descrevem bem nossa Rainha Simone! Estar em Portugal a deixa feliz, leve e abraçada. A recepção do público e da imprensa é sempre muito calorosa. @fcsimonenaveia