Num ano que fica tristemente marcado pela partida de muitos dos nossos heróis, a lista cresceu na sexta-feira com a morte da cantora de soul Sharon Jones. Tinha 60 anos e foi vitimada pelo cancro contra o qual lutava há vários anos.
A história de vida de Miss Jones é incrível, e só isso ajuda a explicar a força e a intensidade que tinha em palco, e que os espectadores portugueses tiveram a oportunidade de verificar em várias ocasiões. Nascida em Maio de 1956, na Geórgia, Sharon Lafaye Jones partilhou a vida com uma casa cheia de crianças. Não apenas os seus cinco irmãos mas também os seus quatro primos, que se mudaram depois da morte da tia de Sharon. A família mudou-se para Nova Iorque com Sharon ainda criança, e aí se juntou a influência de gigantes como James Brown às referências que vinham de trás, sobretudo do gospel cantado na igreja.
Sharon sempre cantou e, a partir dos anos 70, participou em vários concursos locais e conseguiu mesmo colaborações com várias bandas de soul e funk, como cantora de apoio. O rendimento como música de sessão não era famoso nem regular, levando Jones a trabalhar vários anos como guarda prisional na Rikers Island e como segurança no transporte de valores.
Apesar das dificuldades, a música nunca a abandonou e a sorte começou a mudar nos anos 90. Em 1996, trabalhando como cantora de apoio num disco de Lee Fields, chamou a atenção dos produtores, que acabaram por gravar com ela alguns singles. É dessa altura também outro encontro decisivo, com os Soul Providers, banda que viria mais tarde a transformar-se nos fantásticos Dap-Kings e a acompanhar Jones até à sua morte (tendo tido também participação decisiva em Back in Black, de Amy Winehouse).
As primeiras gravações de Jones a solo chegaram, assim, já depois dos 40 anos, e tudo acelerou com a criação da Daptone Records, casa também de Charles Bradley e outros colossos dos nossos dias. O primeiro disco da Daptone foi, aliás, um álbum de Sharon Jones and the Dap-Kings.
O grupo continuou a editar regularmente, tendo em Give the people what they want, de 2014, talvez o ponto mais alto. O último disco, de 2015, é It’s a Holiday soul party.
Miss Sharon Jones e os seus Dap-Kings vieram várias vezes a Portugal, para concertos sempre electrizantes, dada a extraordinária qualidade da banda e à garra e energia da baixinha Jones, que no palco se agigantava de forma impressionante. Tive o privilégio de, há dois anos, ter estado presente neste incrível concerto na Aula Magna, com Jones de cabelo muito curto devido à quimioterapia mas decidida a lutar pela vida que tanto lhe custara a conquistar. Uma noite que nunca esquecerei, certamente.
Já este ano chegou a estar prevista a sua participação em Paredes de Coura, mas os tratamentos da cantora impediram esse regresso ao nosso país.
Dizemos adeus a Miss Sharon Jones com o carinho, o amor e a admiração que nos conquistou. Um exemplo de perseverança, de alma, de música verdadeira.
Até sempre, Miss Jones.