Agora que finalmente gravou o disco nas condições que queria gravar, tivesse ou não havido o acidente feliz da Eurovisão, Paris, Lisboa reconfirma: a capacidade interpretativa de Salvador Sobral é realmente sinónimo de excelência.
Os convidados são de luxo. Com Joel Silva na concepção e produção do disco, destaca-se o trabalho do sempre-presente Júlio Resende ao piano, sem esquecer os majestosos contributos de André Rosinha no contrabaixo, André Santos na guitarra, Bruno Pedroso na bateria ou Ricardo Toscano no saxofone. Quase todos já haviam colaborado em Excuse Me (2016), ou nos outros projectos paralelos de Salvador Sobral, antes do episodio feliz da Eurovisão, antes de toda a euforia e mediatismo mundial, antes de ter a oportunidade de gravar um disco nas excelentes condições deste, que mais soa a uma exuberante actuação ao vivo dentro de um estúdio. Em equipa vencedora não se mexe e, ao segundo disco em nome próprio, reconfirmamos também, com cristalina certeza, a notável e exemplar capacidade interpretativa de Salvador Sobral.
Em Paris, Lisboa há música essencialmente estruturada a partir do jazz. Mais intenso em “180, 181 (catarse)”, mais romântico em “Cerca del Mar”, a lembrar sonoridades mais tradicionais, com o uso do Rojão em “Mano a Mano”, ou a piscar o olho à pop em “Benjamim”. Há canções em português, inglês e espanhol e até mesmo francês, com a surpreendente “La Souffleuse”, escrita pela sua recém-mulher, Jenna Thiam. Há sonoridades diversas e saltos entre géneros, que chegam a tocar no samba, no bolero ou na valsa. Há, de facto, uma colecção de canções que refletem a diversidade de apreços musicais que conduz o gosto do autor.
Mas há também, e acima de tudo, a voz de Salvador Sobral, sempre tão certeira na modelação dos versos, no saborear das palavras e nos improvisos vocais. Privilegiando a liberdade expressiva como só ele sabe, há uma melodia criativa e muito característica, que nunca soa a exagero e que nos conquista individualmente a cada tema. E quando acusado de incoerência, simplifica: “Eu não sou coerente, portanto o disco e a minha música nunca o seriam. Estou sempre a contradizer-me. Estou sempre a dizer que sou contra a competição na música, mas depois acabo nos Ídolos e na Eurovisão.” (Diário de Notícias, 2019)
Tem muita coisa este Paris, Lisboa. Demasiada talvez para que sobressaia nele a assinatura do autor. Mas mais do que o suficiente para que, voltemos ao início, se reconfirme a excelência do intérprete. Em Paris, Lisboa o verdadeiro idioma é a música, numa incoerência artística saudável, típica dos genuinamente curiosos pela experimentação da canção-jazz, numa busca que não cessa nunca.
Conheci o excelente cantor no ”O é da Coisa”,programa radiofônico de Reinaldo Azevedo,aqui no Brasil – Parabéns pela ótima resenha!