Blue Hour, dos Ruby Haunt, é um antídoto perfeito para almas agitadas, com dificuldade em serenar as suas mentes irrequietas.
As arrumações têm esse mérito: redescobrirmos coisas que nos são quase imprescindíveis e que estavam soterradas em camadas quase infinitas de ruído recém chegado. O nosso cérebro funciona como se fosse uma esponja. Absorve, absorve, até que começa a pingar. E nos salpicos do sobejo, inadvertidamente, como quando nos cai uma ou duas moedas da algibeira menos funda, evaporam-se relíquias. Mas não, felizmente a banda que vos trago hoje encontra-se bem activa e de boa saúde. Os Ruby Haunt chegam-nos de Los Angeles, Califórnia, e têm em carteira concertos agendados para Outubro e Novembro nos Estados Unidos e Europa.
Dois amigos de infância, inspirados por uma intrínseca paixão pela música, resolvem criar um projecto musical, algures por altura do ano 2015. Com Wyatt Ininns na voz e nas letras e Victor Pakpour responsável pela composição e produção dos temas, a dupla escreve os seus três primeiros EPs enquanto cada um estuda em extremos opostos da costa oeste. Mais um exemplo, à semelhança dos Postal Service, de que a distância não é hoje em dia uma barreira para a música perseverar. Com sete álbuns no curriculum e mais uns tantos EPs já lançados, não foi tarefa fácil escolher o meu disco de eleição dos Ruby Haunt.
A banda prima por um som profundo e introspectivo, mais sentido do que pensado. Diria que as músicas da dupla americana são autênticos tratados de negociação entre a alegria e o desespero. A subtileza quase subliminar com que somos confrontados com os nossos fantasmas, em temas como “Laughing Heart”, “Royal Moon” ou “Tire Fire”, é aterradora. Longe de serem uma banda mainstream, os Ruby Haunt conseguem reproduzir atmosferas de uma densidade emocional comparável a muitas outras que enchem generosos recintos de festivais. Falta-lhes, e ainda bem que assim é, aparato promocional e sobretudo embelezamento pós-produção. Se por um lado podemos assumir algum minimalismo nas composições de Pakpour, a verdade é que, com a ajuda das dramáticas letras de Ininns, as músicas dos Ruby Haunt são reiteradamente fascinantes.
Escolhi o disco Blue Hour por me parecer o mais heterogéneo da banda. Começando no dream pop, passando pelo slow core e catrapiscando um olhinho ao ambient, a soma dos nove temas resulta num conjunto arrebatador. Não há uma que se deite fora. Todas irrepreensivelmente boas. Saltitando entre a profunda exortação e o discreto sofrimento, as músicas de Blue Hour não nos deixam sair do disco. E de apneia em apneia, vamos sendo tranquilamente devorados pela imensa magnitude que nos abala por dentro e nos deixa congelados por fora.
Entramos no portal Blue Hour através de “Sucker”, que nos suga de imediato, deixando-nos imersos num chamber pop morno e intimista – “even closer again”. Conformados com a impossibilidade de deserção, apreensivos com o que daí poderá vir, é a vez de “Darling” tomar conta da nossa pessoa. E quando pensamos que as coisas não podem melhorar, ficarem ainda dissimuladamente mais intensas, eis a grandiosidade do piano de “Sorry, Sabrina”. Um golpe de rins violento, executado com uma eficácia que só alguém muito iluminado consegue concretizar.
É esta a arte da música: a capacidade de nos elevar em prazer ou acompanhar-nos na angústia, melhor que qualquer outro ser ou artefacto. Continuando a escuta do álbum, se possível com muito pouca luz e uns bons headphones, paragem obrigatória em “Sanctuary”. Aliás, quanto a mim, este é o single do disco. Não lhe falta absolutamente nada! Linha de baixo profunda, bateria seca e definida, sintetizadores proeminentes de tal forma que nem se dá pela falta da guitarra eléctrica, vocalizações diáfanas, e por cima de toda esta perfeição, um piano sacrossanto. Um verdadeiro santuário.
Quase a terminar a nossa viagem pelo portal Blue Hour, um minuto e dezanove segundos de frequências ambientais, pulverizadas com banalidades de vidas aleatórias. Entramos por fim no último tema do álbum, com um ligeiro desassossego por sabermos que a seguir, só nos resta chorar por mais. Nada melhor para uma despedida que um final em aberto, onde tudo é possível voltar a acontecer, quem sabe até com maior fervor. “It Will Happen the Next Time Around” – “maybe if all goes right, I’ll be safe inside”.
Que disco!