E como é habitual, após o primeiro dia chega o segundo. Depois de cerca de 67 mil pessoas terem estado presentes para ver Bruce Springsteen, ontem terão estado cerca de 74 mil por conta dos Queen. Quem o diz é a organização do Rock In Rio e nós acreditamos. O Parque da Bela Vista estava repleto de pessoas que, aproveitando ser sexta-feira e as borlas de última hora, puderam dirigir-se descontraidamente para o parque de Marvila passar o final de tarde/noite.
O cartaz, não nos cansamos de referir, é escasso. Muito escasso. Três bandas por dia no palco principal e outras três no secundário é muito pouco. Então, se pensarmos que o Palco Vodafone (o secundário) é enorme e tem umas condições acústicas excelentes (houve este ano um claro upgrade na sonorização, beneficiando em muito os espectáculos), parte-se-nos o coração. Às nove e pouco da noite a música já não mora ali, acabou. Para nós, um festival que se preze, em vez de três bandas tem seis, sete… dez (porque não?) e em vez de acabar às nove e pouco, acaba às 3h da manhã. Mas na verdade, para a realidade do Rock In Rio, percebe-se. São 20h e está prestes a começar um dos melhores concertos que se vão ouvir ali durante o festival inteiro. Falamos dos Boogarins, irmãos brasileiros, que não serão muito conhecidos para os clientes do Rock In Rio mas fazem as delícias dos apreciadores da boa música. São 20h (voltando atrás) e estão 300 (?), 400 (?) pessoas à espera dos autores de As Plantas Que Curam, o primeiro dos dois álbuns da banda. A facilidade em chegarmos à grade que separa o palco do público é ao mesmo tempo assustadora como aliviante. Mas chegamos lá e o concerto começa. E que concerto! Senhores: os Boogarins estão feitos uma banda do cacete!
Ao contrário dos Black Lips, que tocaram no mesmo palco à mesma hora na noite anterior, os Boogarins são reservados, comedidos e asseados. Não cospem para o ar, é certo. E ainda bem! Mas musicalmente estão já num nível muito forte, flutuando entre a interpretação e a improvisação das suas extraordinárias músicas psicadélicas.
Um dos pontos altos foi naturalmente “Lucifernandis” mas diríamos mesmo que o que mais nos impressionou foi o jamming que saía daquelas oito mãos. Os Boogarins não exageram no extravazamento psicadélico, fazem tudo com muito sentido e propósito e isso delicia-nos.
Antes de Boogarins foram os Sensible Soccers a pisar o Palco Vodafone. O agora trio, de Vila do Conde, está em digressão a apresentar Villa Soledad, o sucessor de 8 e mostrou porque é um dos melhores projectos portugueses a nível musical. O que estes rapazes fazem é quase único e a qualidade com que transpõem para o palco aquilo que é um magnífico disco, é impressionante. Absolutamente hipnótico e belo! Torcemos com muita força que um produtor estrangeiro ou um promotor de algum grande festival estrangeiro os oiça/veja em palco para que eles possam explodir de vez e levar o seu nome e o de Portugal bem longe.
O mesmo queremos para os Pista. A banda que abriu o Palco Vodafone no segundo dia do festival também ofereceu um grande concerto! O também trio, mas do Barreiro, baseia-se mais no instrumental do que no cantado mas não viaja na introspecção como os Sensible Soccers. Aqui o movimento é mais de festa, de ginga, de… Bamboleio, como é baptizado o disco deles. Também conseguiram exceder a expectativa apesar do pouco público que ali se encontrava.
Mas lá está, é pena. Ou melhor, não é pena, é apenas estranho. É que depois destes concertos terem terminado (e até começar o seguinte dá tempo para ir dar uma volta) descemos um pouco pelo parque passando pela Rock Street onde há um palco com forró e que se encontra apinhado! Sim, é giro para quem gosta do Carnaval e do Samba mas… “os Sensible Soccers estavam ali em cima!”, “os Boogarins estavam ali em cima!”, “malta, perderam um concertaço!”. Esqueçam. Vamos esperar umas horas no meio deste picnicão para ver Queen com esse tal de Adam Lambert. Esperemos não nos arrepender.
Mas a espera é longa. Das 21h e pouco, que foi quando os Boogarins fecharam as hostes no Palco Vodafone, até às 23h45, hora prevista da entrada dos Queen (mas que afinal só começaram efectivamente o concerto às 00h20), as opções eram tenebrosas. Que fazer? Ver os concertos de Fergie e depois de Mika? Ir para as filas dos brindes? Ir dançar com o Cifrão para o palco Dance Street? Ir à tenda electrónica onde nada nos entusiasma? Fecharmo-nos numa casa de banho, o que num festival nunca é boa ideia?
A opção recai para ir jantar e beber cerveja e demorar o máximo de tempo possível a mastigar uma fatia de pizza. E assim se passaram as duas horas até que começou finalmente o concerto de Queen com Adam Lambert. E o que dizer? Temos de fazer a óbvia análise. Lambert não é Mercury. Ninguém é outra pessoa, e ocupar um lugar de quem foi um dos cantores mais icónicos de sempre não podia ser mais ingrato. E Lambert canta bem, não temos problemas em admitir isso. Mas temos alguns problemas em engolir este sapo.
Façamos uma comparação. Ainda há dois meses atrás os AC/DC ficaram sem Brian Johnson. Para os fãs foi uma notícia muito difícil e depois de muita especulação lá se encontrou um substituto que foi Axl Rose. A diferença é que, por mais que tenha havido quem não gostasse, era Axl Rose, um dos mais carismáticos líderes de uma das mais carismáticas bandas dos últimos anos. Não era o segundo classificado duma edição do American Idol, perdoem o preconceito. Façamos outra: em 2013 os Nirvana juntaram-se de novo, tocaram nalguns eventos e até lançaram uma nova canção. Ninguém duvida que Kurt Cobain está para os Nirvana como Mercury está para os Queen, não pela simples comparação de vocalistas mas como de magnitude e de importância mundial, mas quem substituiu Cobain foi… Paul McCartney.
Portanto, a ideia das bandas continuarem sem um dos membros não nos desagrada. Porque é que temos de deixar de ver e ouvir uma banda que amamos só porque um dos membros não é o original? Como abdicar de uma “Bohemian Rhapsody”, “Smells Like Teen Spirit” ou “Thunderstruck” só porque é outro que a interpreta? O show tem de continuar! Mercury sempre o disse e cantou. Vamos lá a isso! Pessoalmente não apreciamos Lambert e achamos que poderia haver escolha melhor. Contudo, também podemos dizer que lhe desejamos toda a sorte e felicidade. Se foi assim que foi decidido, que seja. Foi bom recordar “Hammer To Fall”, “I Want To Break Free”, “Radio Gaga” entre tantas outras. Porque Queen é isto, é uma quantidade enorme de boas canções.
O concerto foi emotivo pois foram muitas as vezes em que Mercury foi lembrado, como quando Brian May lhe dedicou “Love of My Life”, cantando sozinho em palco. Foi igualmente emotivo quando Roger Taylor saltou para a frente do palco para cantar ele próprio, e logo de seguida, “These Are The Days Of Our Lives”. Mercury apareceu muitas vezes nos ecrãs gigantes e até o ouvimos cantar em algumas músicas, a meias com Lambert. Foi um grande espectáculo que deliciou a Bela Vista.
Alinhamento:
- Flash (Intro)
- The Hero
- Hammer To Fall
- Seven Seas Of Rhye
- Stone Cold Crazy
- Fat Bottomed Girls
- Play The Game
- Killer Queen
- I Want To Break Free
- Somebody To Love
- Love Of My Life
- These Are The Days Of Our Lives
- Under Pressure
- Crazy Little Thing Called Love
- Don’t Stop Me Now
- Another One Bites The Dust
- I Want It All
- Who Wants To Live Forever
- Tie Your Mother Down
- The Show Must Go On
- Bohemian Rhapsody
(encore) - Radio Ga Ga
- We Will Rock You
- We Are The Champions