
Esta segunda noite do Festival Vodafone MexeFest trouxe-nos muito bom rock, ouvido a alto e bom som mas trouxe-nos também a simpatia e tranquilidade de Sharon Van Etten e as vozes incrivelmente melodiosas de Wild Beasts. Duas noites que acabaram em beleza, o MexeFest ganha cada vez mais o seu lugar no centro da cidade e a continuar assim não é admirar que volte a esgotar.
Modernos (Ateneu Comercial de Lisboa): Banda composta por 3 dos membros dos Capitão Fausto, os Modernos subiram ao palco do ginásio do Ateneu Comercial de Lisboa para tocaram as suas músicas e mais algumas. Começamos desde logo por perceber duas coisas: primeiro a acústica não é a melhor nesta espécie de pavilhão e segundo, os Modernos gozam já de uma pequena legião de fãs que pouco se importam se são uma apenas uma versão reduzida dos Capitão Fausto. porque convenhamos, não difere muito. Aqui estão apenas 3 (Tomás Wallenstein – guitarrista/vocalista; Manuel Palha – baixista; e Salvador Seabra – baterista) mas o som é quase o mesmo. É bom, rock de garagem português bom. Tocaram os temas do seu EP como “24” ou “Só Se te Parecer Bem” e cumpriram plenamente o esperado. Óptima abertura para o que se viria passar a seguir nesta mesma sala.
Salto (Garagem EPAL) : Quem os viu e quem os vê. Se já no Fusing Festival tinham ameaçado um verdadeiro ‘salto’, no Mexefest deu-se a confirmação. O duo que eram os Salto do disco homónimo, com bateria computadorizada e canções electro-pop-8bit saltitantes de bom gosto, tornaram-se num imponente quarteto que embriagou a sua pop lounge em ácidos. Acid jazz, mais precisamente. E muito se deveu à mestria de Luís Montenegro que, já sem a responsabilidade de tocar baixo, pôde focar-se na sua distinta eletrónica enquanto acrescenta mais uma guitarra ao arsenal da banda. Resultado? Jams tão (ou mais) longas que as suas versões de estúdio e (novos) pormenores deliciosos nas suas, já conhecidas, canções. Apesar dos problemas no som do palco, nada impediu de, pelas 9h05, a garagem da EPAL estar cheia. E nunca uma garagem do rock’n’ roll esteve tão cheirosa e bem vestida, cheio de belos rostos joviais e femininos. Tais formosos rostos tornaram-se protagonistas d’alguns dos momentos mais bonitos do festival: as letras do primeiro disco já decoradas foram entoadas em várias canções como «Deixar Cair» ou «Por Ti Demais». Quem por ali esteve pôde ter o privilégio de ouvir canções novas, como o novo single Mar Inteiro. Mas o rubro do disco homónimo sentiu-se nos passos de dança provocados pela canção que sucedeu a introdução: «Saber Ser». Mas a introdução. Ah. E o prelúdio à canção Sem 100? Não terei pudor: foi como ver o mood ácido do jazz de Roy Ayers a conviver alegremente com a eletrónica new wave dos New Order, enquanto nadava com um baixo dotado do groove do funk moderno sem conseguir resistir à reconhecível guitarra ritmo de Guilherme Tomé Ribeiro. Eis uma nova face das cantigas dos Salto. Bravo!
Throes + The Shine (Ateneu Comercial de Lisboa): Apesar do concerto da Sharon Van Etten e da fome furtar público, a reputação irrequieta dos Throes + The Shine é demasiado interessante para não ter tido o salão nobre do Ateneu cheio. E assim foi: constantes «Bora caralho» acompanhados pelos ritmos do kuduro vestido de cabedal numa sala eloquente, requintada e vestida de fraque. «Dombolo» foi o ataque para uma festa inesperada: os mais comprometidos com a festa ‘abanavam, remexiam e sacudiam’ e os mais tímidos acompanhavam, com pequenos headbangs ou tremeliques na perna, os bpm’s da canção. Throes + The Shine já são um nome mais que retido, não só pelo seu cancioneiros mas, especialmente, pelo seu Live Act. Um concerto de Throes + The Shine é sinónimo de festa. E, naquela noite, «Hoje é festa» marcou um dos momentos da noite.

Mas a verdade é que este concerto não correspondeu à enorme expectativa que o álbum trouxe. Não que tenha sido um mau concerto, nada disso, mas esperava-se algo mais grandioso. O que aconteceu entre as 21h30 e as 22h30, no Coliseu quase cheio, foi um simples interpretar das canções, sem lhes acrescentar nem retirar praticamente nada do que conhecemos em disco. Sharon, sempre encantadora, foi corajosa para começar o concerto com “Afraid Of Nothing”, tema que abre o novo álbum, calmo, vagaroso, envolvente – mas pouco óbvio para principiar um concerto numa sala tão imponente como o Coliseu. Ainda assim, conseguiu captar a nossa atenção, poucas eram as conversas para o lado (cada vez mais habituais e irritantes em todos os concertos), e não mais a perdeu até final. Seguiu-se um desfile de boa parte das canções de Are We There, algumas mais antigas. Mas todas demasiado contidas. Irrepreensivelmente interpretadas, pois claro, mas sem grande chama, sem grandes elementos que distingam um disco de uma actuação ao vivo. Mas, lá está, esta avaliação está comprometida, à partida, por causa da excelência do disco! Em suma, foi um bom concerto, eficiente, mas deixa a sensação que teria sido bastante mais intenso e especial numa sala mais íntima.

Cloud Nothings (Ateneu Comercial de Lisboa): Aviso: quem se envolver demais num concerto de Cloud Nothings acaba por ter mazelas. Como o nosso fotógrafo, que derivado de um Wall of Death, de um constante mosh e de um crowdsurf não conseguiu uma fotografar. E, quem se envolveu com este trio, sentiu-se inclinado para se juntar àquela festa que cruzava o sentimento de família do hardcore com a sonoridade grunge, noise, punk e shoegaze. Este trio de Ohio tem muito rock no corpo. Rock que tem punk, punk que tem noise rock, noise rock que tem garage rock. Seja lá o que isto for. Os norte-americanos deram um grande concerto fruto das excelentes músicas que têm como da energia que transportam para o palco. Tal como com os Modernos houve má acústica. Este espaço não está destinado a um grande power. O som não se difunde e mistura-se criando simples barulho. Ainda assim a sala compôs-se quase totalmente e até houve lugar para crowdsurfing. Começaram logo com «Stay Useless» e a partir daí foi sempre a abrir. Guardaram duas pérolas do seu arsenal para o fim: o aclamado e conhecido single do novo disco «I’m not apart of me» e, das melhores canções para terminar um concerto, a «Wasted Days», com uns growls que marcam o clímax da música misturando uma percussão punk com acordes grunge dotados de uma distorção noise, tornou um antigo campo de basketball num campo de batalha. Grande concerto dos Cloud Nothings.
Este concerto dos Sensible Soccers revelou-os como grandes artistas. Tinham acabado de subir ao palco quando uma falha de energia os deixa sem metade dos instrumentos – caixas de ritmos, teclas e outra parafernália electrónica, subsistindo apenas guitarra e baixo. O vocalista/teclista queixou-se da falta de meios, sugeriu interromper o espectáculo porque não havia meios. Mas havia. E, acima de tudo, houve a máxima mais importante deste ramo: “The Show Must Go On”. Assim, o guitarrista desenhou uma linha, gravou em loop e fez dela ritmo. O baixista foi acompanhando, enquanto da guitarra saíam solos arábicos e serpenteantes. Quando demos por nós, já estávamos todos contagiados, a abanar o corpo languidamente, ao som do improviso, que manteve o show aceso enquanto foi reparada a falha de energia. Uns 10 minutos depois foi reestabelecida a normalidade, mas mais importante, o público já estava conquistado.
Depois deste interlúdio, os Sensible Soccers começaram o concerto “a sério” e rebentaram tudo, atacando com ferocidade os temas do mais recente 8, um dos melhores discos deste ano. Quando chegámos ao fim, ninguém se lembrava das falhas eléctricas, a única coisa que ficou na memória foi um concerto espantoso, de uma intensidade incomparável, que estabelece os Sensible Soccers como uma das bandas mais interessantes e inspiradas da nova música portuguesa. Talvez seja o filtro de Barcelos.
Palma Violets (Estação Vodafone FM): O palco da Estação, com a melhor vista de todo o festival, encheu-se por completo para ver o regresso de Palma Violets a Portugal. Enorme entusiasmo num concerto cujos decibéis estavam em alta! Estiveram sempre bem liderados pela dupla Samuel Fryer (guitarrista e vocalista principal) e o incansável Chilli Jesson (baixista mas também vocalista) e andaram à volta do seu álbum de estreia 180. Não obstante o concerto ter sido curto, como qualquer outro neste festival, ainda tiveram tempo de tocar um par de músicas novas, como foi o caso de “Matador”. Naturalmente foi com “Best of Friends” que se atingiu o ponto alto com toda a plateia a fazer dueto com a banda. Os londrinos têm muito rock no corpo, tal como os Cloud Nothings, mas algo transparece de um pouco mais genuíno nos norte-americanos. Mas isso agora não interessa nada, o que interessa é o rock esteve presente e bem no Vodafone MexeFest.
Wild Beasts: Indiscutivelmente, o concerto mais cheio desta edição do Vodafone Mexefest. Para alguns foi aborrecido e monótono, para outros o melhor do festival. Nada surpreendente: já nos têm vindo a habituar com espetáculos visuais com pouco paleio, muita música, algumas palmas sincronizada, synth-pop com strings orelhudas e dona de ritmos dançáveis nada cliché. Como expectável, a conhecida «wanderlust» foi o momento do concerto que pôs um coliseu cansado de dois dias de intensidade a dançar como se fosse o primeiro minuto do festival.

Zanibar Aliens (Vodafone Bus): Como escrever do Vodafone Mexefest sem falar do autocarro? Mas, se ter Live Acts num autocarro é, por si só, especial, então e com os benjamins Zanibar Aliens? São do Estoril, mas é como se tivessem viajado dos anos 60’s e 70’s. São filhos de The Who e Zeppelin e, apesar de ser 2014, não há lugar para pretensiosismos. Têm o espírito daquele tempo. Estar a moshar num transporte público apenas iluminada pela luz de uma espécie de kaleidoscope ao som da «The Door», original destes alienígenas, foi como viver um espírito de festa rock ‘n’ rol, hoje já rara devido aos demais snobismos da música alternativa. Músicas entoadas, saltos que destruíam o sistema de propulsão do autocarro e o crowdsurf tornaram o divertido insólito.
Texto: Francisco Pereira, Alexandre R. Malhado e Duarte Pinto Coelho
Fotos: Francisco Fidalgo