Noites mal dormidas, alvoradas gritadas ainda antes de o serem, cansaço nos olhos mas o bom espírito de sempre. Hoje os festivaleiros acordaram cedo para mais um dia de bom tempo e boa música. Ao longe, já se ouviram os novatos Keep Razors Sharp (diz que estava cheio!) e o veterano Joe Satriani, com todas as colunas do festival, das mais pequenas às de palco, a começar a fazer vibrar as membranas. Assim começa o segundo dia do festival mais veraneante da zona de Lisboa.
Keep Razors Sharp: Rock português cantado em inglês e sem manias, com influências do psicadelismo e do hard rock e afluências grandes para o primeiro concerto do dia. Afonso (Sean Riley), Carlos BB (Riding Pânico), Rai (The Poppers) e Bráulio (Capitão Fantasma) trouxeram ao Meco as suas malhas pesadas, ondulantes e transcendentes, acompanhados de projecções que acentuavam a tonalidade mágica e misteriosa da música.
Joe Satriani: O mítico virtuoso da guitarra voltou a pisar o palco em terras de Viriato num concerto um tanto ou quanto desalinhado do resto do cartaz, algo que afectou a sua influência. Apesar de muitos os curiosos, decerto seriam poucos os que viriam “perder tempo” com o guitarrista, que com confiança solou no início da noite. Olhos postos nos Cults.
Cults: Olhos postos e preservados no duo americano, que esponjou de melodias doces o fim de tarde que ainda não ameaça a chuva que mais tarde se iria sentir. Brian Oblivion e Madeline Follin entregaram de boa vontade temas como “Go Outside” e “Abducted”, que até se viram acompanhados por alguns trauteios tímidos. Um concerto simples, bem disposto, que, mesmo sem chegar a roçar o extremamente memorável, semeou sorrisos nos rostos dos humanos plantados pelo recinto.
Pulled Apart by Horses: Agressivos, destemidos e determinados em levar a sua missão em frente. Fazer finalmente mexer o famoso pó da Herdade do Cabeço da Flauta, eis o objectivo da banda de Leeds. Ainda que o seu esforço fosse hercúleo e que o público o valorizasse ao máximo, com mosh pits e uma gigante interacção próxima com a banda (a fazer recordar o concerto de Ty Segall no último Primavera Sound), o pó não levantou. E porquê? Começavam a cair os primeiros pingos da noite, que depressa se tornaram em gotas que encharcaram o público, o palco e fizeram fixar o pó. “Nós seríamos electrocutados por vocês”, começavam a dizer, em tom de brincadeira. Nas pausas das canções, a banda levava o público ao êxtase com os seus discursos de contracultura. Tom Hudson, de seu nome (um Kevin Parker mais rockeiro) era quem liderava a animada e irrequieta prestação, tendo de anunciar o final antecipado do concerto por causa da chuva – não se importariam de levar choques pelo público incansável, mas não convinha. O pó não chegou a levantar, mas mereciam.
The Legendary Tigerman: Se há exemplo de um português que nunca desiluda em palco – nunca – , Paulo Furtado será, sendo dificilmente superado, o escolhido. Agora com baterista (Paulo Segadães, ex-Vicious Five) e desta vez ajudado por um violoncelo e três violinos (mais tarde entrariam também os sopros), assim como com o recente True na manga, Tigerman está melhor que nunca. A primeira mais sonante seria “Walkin’ Downtown”, já obrigatória e retirada de Masquerade, acompanhada de uma sensualidade não só na guitarra como nas danças que traziam a chuva, que caía cada vez com mais intensidade. Mas tal não impediu o público de ficar, mostrando-se leal a um dos grandes artistas portugueses da década. O concerto contou também com Filipe Costa em palco, para acompanhar Furtado no teclado em “Green Onions”, clássico de Booker T. A chuva caía e não corrompia danças, que confirmavam que o blues está vivo e saudável na pessoa de Paulo Furtado.
Capicua: Com a água que inundava o ar do Super Bock Super Rock, chegou a vez da Sereia Louca navegar pelo festival. No único palco com protecção contra a chuva para o público, o palco Antena 3, os menos dispostos a ficarem constipados agruparam-se, dando o mote àquele que seria um dos melhores concertos do festival. Casa cheia, então, por causa da chuva mas com sucesso merecido. Ana Matos, sempre acompanhada por M7 e D-One, comprometia-se a cantar para todos, especialmente para as mulheres, de todas as cores e feitios, com borbulhas, estrias, celulite e olheiras (palavras da própria). “Jugular”, “Medo do Medo”, “Vayorken” foram as mais fortes, sempre com uma perninha na música de intervenção e outra na música introspectiva e mais pessoal. O momento e a simpatia eram bonitos e eram inúmeros os telemóveis no ar que o registavam para sempre, entrava em palco “A Mulher do Cacilheiro” – todas as mulheres que atravessam diariamente o Tejo, para trabalhar, deixando os filhos em casa para receber uma ninharia que lhes dê pão.
Woodkid: A chuva, a chuva, a chuva três vezes. Essa coisa mesquinha que não mata mas mói fez com que se atrasassem duas horas o palco EDP, tendo a escolha tendo de ser feita entre Capicua e Woodkid. E foram muitos os que escolheram cada um dos dois, estando a maior plateia no mais difícil de “apanhar” o sedutor e enérgico Yoann Lemoine. Batidas militares fortíssimas, uma presença feroz e quase animalesca em palco, sopros imperiais, cordas melancólicas, um frenesim de sons e batidas e luzes e tudo. Uma das maiores recepções do público do Super Bock Super Rock, que já tinha saudades do Francês, apesar de por cá ter passado no último Mexefest. No final, um público extremamente comovido cantava a melodia da última canção, entoação que resultou na resposta da banda, que reproduziu a sequência de notas e acordes num momento de rara beleza. Assim, Lemoine despedia-se com um “I love you, I love you, I love you three times”.
Cat Power: Chegara a hora. Chan Marshall encantou e deliciou o público devoto com um concerto que apenas perdeu na curta duração, pela qual se desfez em desculpas. Perdoamos, claro. A compositora estadunidense flutuou pelo palco EDP com o encanto de uma ninfa dotada da magia enclausurante de se aparentar prestes a eclipsar da realidade a qualquer segundo. Com um jeito ora de criança nervosa ora de anciã que faz o que faz de olhos fechados, catapultou para as mãos abertas estendidas sob o céu inchado de chuva um número generoso de temas, acompanhada por uma banda igualmente experiente na arte de retirar de todas as almas presentes qualquer resma de dúvida de que se tratou do ponto alto do dia (assim como Massive Attack no anterior). Foi um “The Greatest” com um arranjo que, mesmo fugindo ao de estúdio, não deixou de fazer sentir um assombro comovido logo ao início, assim como uns bem recebidos “Cherokee” e “Manhattan”. No fim, de sorriso trémulo, fez chover flores sobre o público radiante, com os olhos brilhantes de agradecimentos silenciosos. Nós é que agradecemos.
Eddie Vedder:
Isso quer que ainda vão escrever ou que desmaiaram de cansaço antes do concerto começar e por isso não haverá crítica?
Either way, keep up the good work !
Olá Francisco! Antes de mais, obrigado pelo teu comentário. Quanto ao porquê de não termos escrito sobre o concerto do Eddie Vedder, tal deve-se à confusão/atraso dos horários que tornou difícil a tarefa de escrever sobre os concertos que disso sofreram.
Já em relação a quem acordava o campismo ainda antes de ele adormecer, também o aprendemos da maneira difícil…mas faz parte do espírito!
Abraço
Porque não fazem comentário ao concerto de Eddie Vedder? Eu estive lá e sei como foi, mas gosto sempre de saber a vossa opinião ;)
E já agora deixem que vos diga: excelente referência ao parvalhão que decidiu acordar o campismo inteiro às 5 ou 6 da manhã a gritar alvorada até ficar sem ar nos pulmões, foi de facto um dos pontos marcantes para quem lá esteve e tentou dormir depois dos concertos (conceito altamente subvalorizado no campismo festivaleiro, descobri eu)