Terceiro e último episódio desta vigésima temporada de Super Bock Super Bock. Neste momento, Jorge Palma canta os acordes de “Perfect Day”, hino transcendente depois de Lena D’Água, Tomás Wallenstein, João Pedro Pais e Paul Furtado terem já passado as suas vozes pela carreira de Lou Reed, em parceria com Zé Pedro, dos Xutos e Pontapés. Seguem-se Time For T no palco EDP e Albert Hammond Jr. no palco Super Bock. Voltamos mais logo que para se escrever sobre música é preciso ouvi-la.
Zé Pedro e Amigos (Tributo a Lou Reed): A intenção era louvável; tal como sucedeu no ano passado, no largo do Intendente, honrar o recentemente falecido Lou Reed, por muitos considerado um pai do rock experimental revestido de cabedal e de cheiro a tabaco, tanto graças ao seu contributo nos Velvet Underground como no seu trabalho a solo mais tarde. Defrontando o público tímido que não chegou a ameaçar engrossar, um rol de personalidades da música portuguesa encararam a tarefa de honrar o mestre com unhas e dentes, incluindo Paulo Furtado, ou The Legendary Tigerman, que proporcionou um dos melhores momentos do concerto com uma implacável versão de “Femme Fatale”, Jorge Palma, que, sentado ao piano, interpretou algo duvidosamente o clássico “Perfect Day” e Lena d’Água, que (infelizmente) tomou nas mãos o ofício de espezinhar a adorada “Sunday Morning”. É certo e sabido momentos altos do concerto nem sequer surgiram da própria música – entre guitarradas e coros, nascia de uma lata repleta de talento um graffiti da cara do honrado. Não foi perfeito; nem o dia, ou o cartaz, prometia ser. Mas tentaram.
Time For T:
Albert Hammond Jr: O velho astro tornava a pôr-se. Diante de uma multidão generosa, um quinto dos Strokes preparava-se para apresentar o seu trabalho a solo, que conhece a luz do dia desde o longínquo ano de 2006. Está crescido e prova que, mesmo sem a ajuda dos restantes membros de uma das bandas indie rock mais influentes do virar do século, é capaz de fornecer um concerto suficientemente competente para agregar uma audiência que vibra a olhos vistos, apesar do calor que se faz sentir. Foram temas como “In Transit” e “Holiday” que despontaram as reacções mais entusiasmadas de quem quase que levantou pó mas não o chegou a fazer.
Skaters: Palco EDP. Local escolhido para um vácuo de rock sem tretas por parte dos nova iorquinos Skaters, que iniciaram uma das melhores sequências desta vigésima edição do festival. Tendo como referência por vezes os também nova iorquinos, embora musicalmente longínquos, Strokes, encarregaram-se de levantar o pó necessário para acompanhar os riffs frenéticos e explosivos que se entranhavam nos pés e mãos da audiência igualmente enérgica. Rock puro e duro sem complicações, cheio de boa onda e boa distorção. Vai-se a ver e acabou por dar bom resultado, o truque, sendo a banda um dos pontos altos do palco secundário neste último dia.
NBC: A caminho dos Kills, reparámos que o palco Antena 3 estava mais cheio que o normal. Era NBC, um dos rappers portugueses mais influentes, que estava a fazer a festa com casa cheia. Mistura de funk e rap com uma energia e simpatia fora do comum foi o que deu continuação à sequência de bons concertos para abanar e fazer gingar o corpo.
The Kills: Noite cerrada. Após uma passagem forte no Optimus Alive de 2012, a parelha de Jamie Hince e Alison Mosshart carregam o difícil fardo de ir de encontro às expectativas da audiência, que chocalha de antecipação. Não só o fazem como as superam; se a banda, há dois anos, via-se capaz de entregar um concerto bastante satisfatório, hoje em dia consegue esticar a mão e alcançar a possibilidade de ter vindo a ser um dos pontos altos da noite e do festival. Alison Mosshart é toda ela um emaranhado de electricidade estática, vociferando e rugindo em sintonia com a sedutora guitarra de Jamie Hince, acompanhados por uma percussão que fez estalar cada batida na pele dos ouvintes. Após uma mão cheia de temas com direito a coro da audiência, como “Black Balloon”, “Tape Song” ou “Future Starts Slow”, o concerto viu-se, segundo muitos, abruptamente terminado. Não deu tempo para dizer adeus. Aliás, faltou uma aguardada “Last Goodbye”. Não se pode ter tudo.
Dead Combo: Um matreiro Tó Trips completamente possuído e um Pedro Gonçalves a arrasar por completo o contrabaixo, o piano, a guitarra e a melódica, sempre guiados pela minuciosa bateria de Alexandre Frazão. A curiosa “Pacheco”, seguida de uma correria desalmada em “Cachupa Man”. A trémula e ondulante “O Assobio (Canção do Avô” fazia lembrar um Portugal dos anos 30, paisagens citadinas nocturnas, Cesário Verde e Fernando Pessoa postos em notas musicais, um poeta embriagado deambulando na noite. Em “Eléctrica Cadente”, a banda de desvarios instrumentais melódicos virou rock desenfreado em “Eléctrica Cadente”, canção já velhinha mas sempre presente. No final, era Tom Waits quem seria lembrado em palco, como já é tradição, numa versão enkazzoada de “Temptation”. Os Dead Combo apresentaram-se maduros e a provar que aprenderam a elevar ainda mais os seus discos em palco, não havendo agora espaço para respirar ou descansar o pé como havia há uns anos pra cá e deixando no Meco a lembrança de um dos grandes concertos deste ano. No ponto. A menina dança?
Foals: Quarenta minutos para a meia noite e a audiência que se aglutinava em arquipélagos de gente diante do palco principal não sabia o que esperava. A banda de Oxford, liderada pelo misterioso e barbudo Yannis Philippakis, tomou o público de assalto com o espectáculo mais frenético que a Herdade do Cabeço da Flauta conheceu este verão. O público saltou, vibrou e fez estremecer o chão (e enfraquecer as lâmpadas) com um concerto que passou por temas dos três álbuns da banda. Fortes, obstinados, ferozes – cresceram e foram capazes de oferecer um espectáculo que causou o delírio cego por parte da audiência, com uma qualidade muito superior ao concerto que deram há uma mão cheia de meses em Lisboa. Quando acabou, não será difícil de imaginar a quantidade de pulmões presos e pernas entorpecidas a brotar nódoas negras. De parabéns, portanto.
Oh Land:
Kasabian: Rock feito para estádio, com super-poderes de fazer levantar milhares de pessoas numa cortina de cabeças esvoaçantes. Não sendo uma das melhores bandas do mundo, os Kasabian cumpriram aquilo ao qual tinham vindo. Três ou quatro músicas mais sonantes, entre elas “Underdog” e “L.S.F. (Lost Souls Forever”, havendo pelo meio umas quantas mais desinteressantes mas que não deixaram de fazer vibrar os mais fanáticos e sedentos de adrenalina (tochas acesas que nem num jogo de futebol). Bom final de festival, com direito a versão dos Beatles em “All You Need Is Love”.
Batida: A banda encarregada de finalizar o festival (sem contar com os DJs) fez o que tinha a fazer melhor que ninguém. Com uma introdução em vídeo ainda prolongada, talvez para angariar o máximo possível de retornados dos Kasabian, a entrada em palco de Pedro Coquenão e companheiros era feita de assobios e gritaria. O show começava com as batidas clássicas do funaná, com efeitos de áudio que iam sendo sobrepostos (ou a contribuição em rap de um moço cujo nome nos escapou): estava iniciada a festa. Em palco entravam então os dançarinos, que levavam o povo à loucura, sendo por eles distribuídos apitos que propunham um concerto interactivo. De apitos na boca, os momentos de maior celebração deram-se, claro, em “Alegria” e “Bazuka (Quem me rusgou)”, com melodias viciantes que provocaram danças efusivas e largos sorrisos nas bocas. Um espectáculo com música, vídeo e dança que acertou em cheio em tudo o que fez, havendo espaço no final para improvisos de kuduro, kizomba e funaná, com uma terna comunhão entre a banda e o público que tornaram um concerto inesquecível, a repetir sempre que possível.