«Filho de» não é o melhor cartão de visita. Sugere dúvidas. Está ali por mérito próprio ou pelo mediatismo do apelido? E o talento é genético? Será verdade o ditado que assegura que filho de peixe sabe nadar? Na Culturgest, para a abertura do Hootenanny, Ronnie Baker Brooks subiu ao palco para dissipar todas as dúvidas. Já perto do final haveria de confessar. Em todos os concertos agradece ao pai, Lonnie, por lhe ter ensinado «tudo o que sabe, mas não tudo o que ele sabe». Em duas horas de espetáculo, tornou-se evidente. Mesmo que não lhe tenha ensinado todos os truques, e há quem garanta que para os dominar é preciso um pacto com o diabo, ensinou o suficiente para um belo concerto de blues.
Perante um público fisica e mentalmente sentado, a noite não se avizinhava fácil para o guitarrista nascido em Chicago que, ainda assim, conseguiu as primeiras palmas de acompanhamento logo à primeira música. Mas se em Portugal o tempo está longe de ser um ponto forte do público, na Culturgest tornou-se evidente que quando o assunto são blues a cultura ainda é menor que a capacidade ritmíca. Ronnie não se atrapalhou.
Entre os originais e alguns standards – destaque para uma grande versão de «I Believe», de Ray Charles – Roonie compensou a falta de acerto e de energia do público com enérgicos solos de guitarra. Ora rápidos, ora bem lentos, mas sempre sentidos como se exige a um bluesmen, durante quase duas horas Brooks passou por todo o legado do blues. Afinal, como assumiu aos promotores do festival, cresceu «entre os melhores dos melhores» e não será essa a maior vantagem do cartão de visita a dizer «Filho de»?
Parceiro habitual de Keb Mo e com evidentes toques da vertente mais pop dos blues, Ronnie Brooks começou a noite em Lisboa perante um público amorfo para a acabar num impressionante solo tocado no meio da plateia, de pé e quase, quase a bater palmas no ritmo certo. Acompanhado por uma bela secção de metais, baterista, baixista e um enérgico teclista, Brooks deixou Lisboa de ritmo mais certeiro. Se deixou a semente do diabo? Veremos como estão as palmas nas próximas edições do festival.
*Hoje, incluído no Hootenanny, toca o Trio Joe Colombo. Mas quarta-feira, será a vez de Mingo & The Blues Intruders subirem ao palco.