
Lisboa. Quem procura nesta capital acaba por encontrar o que quer. Quem estava faminto por overdrives, BPM acelerados e reencontros poderia encontrar tais elementos naquelas agradáveis noites de Rock Monster, no Musicbox. Esta primeira edição prometia ao primeiro olhar: algumas referências de excelência da guitarra distorcida portuguesa e o retorno de Men Eater aos palcos após 2 anos.
Os setubalenses Hills Have Eyes tiveram a responsabilidade de inaugurar um Musicbox cheio. Mas o metalcore orelhudo e enérgico dividiu quem assistia. Podíamos claramente encontrar indivíduos enamorados pelas canções, outros reticentes mas a não desgostarem e outros que tentavam permanecer longe do palco, sem mostrarem muito interesse à banda que abriu as hostes do Rock Monster.
Após começarem a festa com «Hold your breath», o duplo pedal aqueceu um público ainda tímido. «Don’t come asking for redemption» berrava num coro épico o grande pequeno grupo que visivelmente estava ali pelo hardcore dos Hills Have Eyes. «Cheguem-se mais cá prá frente!» incentivou Fábio Batista perante um público bipolar: alguns corpos não manifestavam nenhuma reacção, outros tinham um pequeno fascínio visível no headbang e no moshpit que, apesar de pequeno, serviu para a festa. Num alinhamento claramente suportado pelas canções do último longa-duração, Strangers, houve tempo para um claro entusiasmo ao ressuscitar as canções «Unneurotic» e «21.12.2012», do disco Black Book, que entusiasmou aos que por ali ousaram ouvir um grupo que não estava a tocar maioritariamente para o seu público.
Após um Thank you for the Inspiration, o vocalista, dono de um gutural invejoso, tentou (e conseguiu) arrancar de um público difícil um coro sincronizado «If you’re playing with fire you will get burned» do tema «Pinpoint». Para quem estava habituado a um concerto hardcore, aquele espetáculo não lhe era estranho. Mas, para quem estranhou, aquele espetáculo em nada identificava a maioria dos presentes. E, talvez por não estarem habituados, a banda parecia ter-se sentido um pouco revoltada ao ironizar, chamando a sua música de «azeite». Ao perguntar se queriam ouvir uma canção nova, a pouca receptividade do público, apenas suportada pela linha da frente que apoiava incessantemente a banda, aumentou o tom de ironia.
Mas, mesmo com esta postura, para o bom apreciador de metalcore, os breakdowns, os riffs e as explosões melódicas só demonstravam a saudabilidade do hardcore nacional. «Anyway It’s Gone», mesmo sem a distorção do Vasco dos More Than a Thousand, demonstrou o poderio do cruzamento entre a agressividade e a harmonia. «Strangers» fechou o primeiro concerto do Rock Monster, com um agradecimento a um Musicbox cinzento à brutalidade dos Hills Have Eyes. O Musicbox não foi uma Casa de Lafões, mas o espírito esteve lá. Bem vivo.
Ao vermos os Hills Have Eyes terminarem, era possível notar alguns dos que apenas estiveram lá para Hills Have Eyes a irem-se embora. Os apaixonados agora eram outros. Vestidos de negro. Preparados para uma dinâmica pesada, introspectiva, sónica e emotiva. Algo diferente estava prestes a acontecer. Vinham ai os Men Eater.
O arpejo dos primeiros acordes de «Redsky» exponenciaram o entusiasmo e o suspense deste retorno aos palcos que tão bem assentaram ao quarteto Lisboeta. Desde de 2012 que não tocavam para freguês assistir, mas, 2 anos e uns meses depois, os voyeurs puderam satisfazer a sua saudade com um festival sonoro que revisitou Hellstone na totalidade e alguns temas dos EPs Vendaval e Men Eater. Talvez fosse pelas latas de Monster que nos abasteciam à entrada ou apenas pela monumental parede de som, parecia que tinham dado o seu último recital há uma semana atrás. A única coisa que desvendou algum prego foram as caretas que Mike Ghost, o vocalista, expressava, em tom de cumplicidade, aos companheiros de cordas.
Concerto dividido em três actos, estar ali foi como ler uma epopeia clássica, a começar em in media res com temas de Hellstone, gerindo um reportório que dava para impor muitas sensações. É post rock? É Stoner rock? É Hardcore? Não interessa. Em «Revolver», as guitarras em potência, emanam riffs com cheirinho a stoner rock mas com uma alma desesperada. Os angustiantes guturais de Hellstone são cortejados por vários momentos: se a corrente da maré, onde navegava o nosso barco cognitivo, estava num caos interior, o caos transformava-se em melancolia. Os batuques militares na tarola e os dedilhados serenos e distorcidos não enganavam a influência do post-rock. E a audiência, apesar de não serem comedores de homens, estavam famintos pelas canções daqueles homens. E via-se pelos inúmeros olhos fechados, cabeças irrequietas e alguns coros, como em first season, que ouviu com garra «I’m going down». Os contratempos de «Upon These Walls» e a agressividade de «Black» foram as direcções certas que nos levaram a Lisboa, o momento da noite, que foi entoada por todos. Ali não havia divisões: todos tinham pele de galinha, todos ouviam a mesma canção, todos berravam aquela cidade.
Perante uma banda de poucas palavras e muita música, agradeceram, despediram-se e disseram até a uma próxima, mas sem dar a certeza de uma próxima. Resta-nos agradecer por uma primeira grande noite de Rock Monster.
Fotos: Francisco Fidalgo