
Tomando o tempo como desculpa, escrevo este texto com uma marca mais pessoal do que o costume. A marca de quem se manteve numa abstinência criativa durante um período demasiado longo de tempo. Por isso urge em mim a necessidade de largar aqui as palavras que guardei durante estes meses. E se, por alguma razão, estivesse com medo que elas me faltassem, saberia também de antemão que os Mono não deixariam que isso acontecesse.
Oriundos de Tóquio, os Mono atravessaram o mundo em direcção a Portugal para dois concertos inseridos na sua actual digressão. Antes do Porto, a capital. E o lugar escolhido foi o mesmo que há três semanas atrás acolheu os norte-americanos Russian Circles, também pela mão da Amplificasom: o RCA Club, em Alvalade.
Foi pela escuridão dessa sala que irrompeu a banda de Takaakira “Taka” Goto, guitarrista e principal compositor do quarteto japonês. O tema “Recoil, Ignite” serviu como primeira amostra live da mais recente dissecação dos entrefolhos da sua mente: Rays Of Darkness/The Last Dawn, um duplo álbum baseado na dicotomia escuridão/esperança. O tema de abertura do concerto – que serve também como primeira faixa do novo Rays Of Darkness, o álbum mais negro e pesado dos Mono – surge em ambos os cenários como um ponto de transição entre a quietude de trabalhos passados e a exorcização de sentimentos mais obscuros que tinham ficado por passar. Uma música preenchida por uma brutalidade de riffs crescentes, com um paço intensamente marcado pela bateria.
Em palco, os quatro músicos eram tanto espectros como sombras, viajando entre a melancolia de For My Parents (2012), a esperança de The Last Dawn, e a nostalgia de Hymn To The Immortal Wind (2009). E, apesar de terem arrancado o concerto no negrume de Rays Of Darkness, foi o mais antigo trabalho de estúdio que ganhou no alinhamento. Existe nesse álbum uma qualidade épica que não se sente num comum disco que veja a luz nos dias de hoje. E existe em «Pure as Snow (Trails of the Winter Storm)» uma paz justificada. Aos espectadores que a ouviram na noite da passada terça-feira acredito que, nesse momento de placidez, lhes tenha esta sido impossível resistir ao chamamento das notas, que os guiariam então até um lugar etéreo mais palpável e feliz do que aquele que se dá, sem luta, à escuridão. Sinto isso em relação a Mono: apresentam-nos a escuridão, dando-nos a oportunidade de sair
dela.
Taka assumiu não ter resistido ao doce negrume da vida. Consumido por ele, compôs Rays Of Darkness; mas foi em The Last Dawn que encontrou a libertação. E a mesma lógica se aplica a nós, meros ouvintes. Quanta dessa obscuridade não se esquecemos nós de recusar?
Uma performance de Mono pode servir como uma sessão de terapia. Basta-nos a nós sentir, sem medos, sem tabus, sem julgamentos. Sentir o bom e o mau, para os saber distinguir. E se um concerto com esta intensidade pode surgir como uma mescla de sensações difíceis de digerir, a despedida descomplicou o processo. “Everlasting Light”, faixa final de Hymn To The Immortal Wind, fechou a noite com uma mensagem de esperança onde não são necessárias palavras.
Sem grandes apetrechos.
Não é renegar a alegria, é render à escuridão.
(Fotos: Filipa Figueiras)