“Nunca tivemos um sucesso na rádio”. A frase podia ter sido dita com mágoa, um lamento pela falta de atenção do Mundo à música gravada durante 22 anos, um protesto pela falta de visão da indústria, mas não. Robb Flynn disse-o para um Coliseu bem composto, à frente por miúdos, suados e desgrenhados, ao fundo por graúdos, quase sempre bem comportados, ao topo e em volta, por casais todos à espera do mesmo: Uma Noite com os Machine Head.
Flynn explicou. Quando começaram, sabiam que a música que sonhavam fazer nunca passaria na rádio e que, disse, teria de ser algo especial para que conseguissem viver dela. Conseguiram. Sobreviveram a uma desinspirada fase de Nu-Metal – e como foi bom ontem ver o Coliseu arrefecer assim que se ouviram as músicas dessa era – mas chegam a 2016 como uma das melhores bandas de Metal do Mundo. Porque Maiden e Metallica são instituições, porque os Dream Theater não são para quem quer, porque a agressividade no rock tem de ser protegida para evitar que um dia acabemos a elogiar os riffs de indie indistinto. Com Flynn, McClain, Demmel e MacEachern estamos protegidos.
Its all about the blood, the sweat, the tears.
Se o rock tem o seu quê de catarse, de escape para o aborrecimento dos dias “pós-qualquer coisa” ou de pura e simples diversão, ontem no Coliseu foi dia tratamento. Mesmo que com um som pouco mais que competente, do palco a descarga de energia devia ter sido aproveitada pela EDP. Da plateia, a vibração deve ter feito disparar os alarmes no LNEC. E nunca, por mais de duas horas, alguém se encolheu. “Imperium”, “Now We Die”, “Locust”, “Ten Ton Hammer” e “The Blood, the Sweat, The Tears” podiam ter assegurado uma noite épica de Coliseu. Mas se do palco a pergunta era sempre se queriam mais, ou mais rápido, do público a resposta, em jeito de punho cerrado ou de indicador e mindinhos apontados ao céu, nunca foi outra que não um … claro e sonoro “Bora”.
Mas depois, a Dimebag Darell – falecido guitarrista dos Pantera – foi dedicada “Aestetichs of Hate” e tudo mudou. A Roda, o equivalente no Rock a uma centrifugadora de incautos, alastrou a meio da plateia, atrás abriram duas clareiras – mosh pits chamam-lhes os sobreviventes mais devotos – nos intervalos exibiram-se dotes de headbaggin – dor de pescoço, assumirá o menos habitué nas lides do rock ‘comboio’. Também não faltou quem andasse de pés apontados ao teto. Sem feridos de registo e sempre no total respeito da melhor etiqueta Rock – 1, se cai, ajuda a levantar; 2, se não quer entrar, deixa de fora; 3, soco e pontapé dirigidos são desaconselhados – ontem foi mesmo noite de bailado rock entre o público.
Em palco ou na plateia, ontem foram os loucos, devotos defensores do rock quem fez da noite grande no Coliseu. Nem faltou o twist final. Para fechar “Halo”, o tão célebre como épico apelo às armas de Flynn, voaram confetis. Sim, confetis. Vermelhos e brancos, confetis. Uma humorada forma de mostrar sentimentos? Uma forma de assegurar fotos ‘fofinhas’ para as redes sociais? Um sinal de que a batalha tinha acabado? Ou de que estava na hora de ir lavar a cara e pedir a última imperial? Estava fresca, soube bem. Tão bem como ver que em 2016 ainda sobram devotos ao rock de peso.