Lisboa anda a dormir. Gregory Porter vem à cidade para dar um concerto e só querem saber de sardinhas e bailarico. É certo, festeja-se o Santo António, mas toda a gente sabe que um pouco de Jazz e R&B fazem bem à alma. Foi o que aconteceu no Coliseu, a meia casa, e entre nós poucos, muitos estrangeiros a aproveitar também para fazer turismo ali, nas Portas de Santo Antão, antes de seguir caminho para Alfama.
Mas Gregory nem reparou. E a plateia nem olhou em volta. Batem as 21h30 e lá vem ele, com o seu “hat jazz” a sentir o groove da sua banda, a balançar e a espalhar sorrisos, bem disposto. Nunca mais retirámos os olhos do palco sem ser para os fechar e sentir melhor a batida da bateria, a classe do piano e do contrabaixo, o improviso do saxofone. É o último a entrar em palco, sorrateiro, distribuindo “adeus” com a mão a todos os que estavam deste lado. Ele é um doce de pessoa e faz sorrir qualquer espectador.
Gregory Porter cresceu a ouvir os discos de Nat King Cole da sua mãe e foi, efectivamente, ao ritmo do jazz que nos deu a conhecer a sua voz inconfundível, lançando em 2010 o seu primeiro trabalho – Water (2010). Mais tarde, a esta base adicionou-lhe a soul, o R&B e uns laivos de gospel, concebendo um novo rebento que resultou no seu segundo álbum – Be Good (2012). E assim, com a mesma leveza com que se apresenta em palco, e alternando de um estilo para o outro quase sem darmos conta, chegamos ao seu último trabalho, Liquid Spirit (2013), que teve direito a um Grammy para “melhor álbum jazz cantado”. O que liga todos os seus discos? A sua inconfundível voz, o brilhantismo dos seus músicos e as letras que escreve.
Mas em palco Gregory Porter não quer saber de prémios. Não. Ele simplesmente não sabe fazer mais nada se não música, música que vem do fundo, que transpira simpatia e honestidade, e ontem ofereceu-nos tudo isto de braços abertos. Foi uma hora e meia daquele jazz afro-americano, potente e melodioso, experimental de quando em vez. Dono e senhor de uma voz doce mas forte – agudos afinados, graves de arrepiar – Gregory nunca esquece os quatro músicos que o acompanham. Faz questão de os apresentar várias vezes e escuta cada um dos seus solos de mãos entrelaçadas ao peito, enquanto os observa. E nós, querendo absorver tantas melodias bonitas, esperamos até ao último suspiro da última nota para aplaudir. Gregory bate palmas connosco.
Foi a terceira vez que o músico de Sacramento veio a Lisboa. Desejamos que não tenha sido a última.