Será que quem assistiu em primeira mão a Woodstock, teve noção daquilo que estava a viver? Ou quem esteve em Pompeii ou em Altamont (passo a publicidade) ou em qualquer outro destes concertos que ficam para sempre marcados num bilhete rasgado e na memória de algo grande? Momentos como estes ou como outros quaisquer que para vós tenham sido muito especiais, fazem parte do monstro que é a música. Momentos como este são experiências de grupo fantásticas mas ao mesmo tempo viagens muito pessoais – aquilo que para mim será fantástico pode não passar de medíocre para outro qualquer. Deixo esta ideia para me defender das almas sensíveis que se sentirão muito ofendidas e farão questão de o mostrar, depois de lerem a afirmação que passarei a enunciar: A noite de 23 de Outubro de 2014, passada no Musicbox Lisboa, no âmbito do festival Jameson Urban Roots, foi um desses momentos. Sim, desses que enunciei no início deste texto.
A noite começou distorcida, colorida e dedilhada. Memória de Peixe foi o primeiro nome a subir ao palco lisboeta, ainda com poucos olhos a observá-lo. Ouviu-se o primeiro álbum da dupla (que se apresentou com um novo baterista), sempre em forma como desde o dia em que foi concluído. Novas músicas misteriosa e ainda sem nome foram compondo um ramalhete bastante interessante. Ainda falta muito para sair o novo álbum destes rapazes mas, pelo que se ouviu, pode-se esperar muita coisa nova, psicadélica e rockeira.
Findada a primeira atuação, houve uma pequena pausa e em meia hora subiam ao palco os Celebration. “Quem são estes tipos?” foi uma pergunta que se ouviu algumas vezes, eu também nunca tinha ouvido falar deles. Restava esperar e ouvir. Surpresa: do nada, começa a espalhar-se pela sala um som agradavelmente distorcido, pulsante, mas altamente melódico. Algures entre o shoegaze e o pop psicadélico se situam estes Celebration que atuavam, como os ansiados cabeças de cartaz, pela primeira vez em Portugal. Definitivamente uma banda a explorar.
Mas calma, agora, depois de Celebration, chegava o momento que ansiávamos desde o dia que anunciaram o espetáculo. Future Islands. Em digressão um pouco por toda a Europa, Samuel Herring, Gerrit Welmers, William Cashion têm vindo a tocar Singles, o mais recente álbum do grupo. Lisboa foi mais um dos sítios a recebê-los e pode-se dizer que os recebemos muito bem. Mas agora “shiu” que o Sam já ai vêm para o palco.
“Good Evenning guy’s, we are Future Islands and this is our first show here. Hope you fucking like it. Kick it!” com algo similar a esta citação começava um dos melhores concertos que já vi na mui bela casa chamada Musicbox.
Ouviu-se primeiro o material antigo, do On the Water de 2011. “Give us the wind” estreou o ar quente que se acumulava por entre os buraquinhos da sala que faltavam preencher. Um sintetizador glorioso, apaixonado, recebeu-nos a todos com um abraço emotivo, a voz acalmou a excitação que se tinha espalhado como fogo (sim, estava assim tanto calor) e o baixo, Jesus… o baixo…. Cada vez me apercebo mais que o baixo é um dos meus instrumentos favoritos, é espantoso, como em casos como este, consegue dar camadas e camadas de melodia sentida e rechonchuda. Estava ai o momento musical do ano.
O começo foi calmo mas Singles estava já ai ao virar da esquina – “Back in Tall Grass” veio trazer animação dançante à multidão composta por rostos tão diferentes (metaleiros, hipsters, pessoas normais, velhos, novos, até yuppies filhos da puta que não se sabem comportar num concerto) mas todos eles com uma expressão genuína de felicidade. Via-se em todas as caras que me rodeavam. Seguiu-se a minha favorita, “Dream of You and Me”, pulei que nem um atrasado mental, cantei e aproveitei cada segundo. O que vale é que não era o único, toda a gente estava louca. Por entre as luzes azuis, roxas, vermelhas e verdes que serpenteavam pela sala, viam-se braços no ar, pessoas aos saltos, malta de olhos fechados a balouçar-se para a frente e para trás, de tudo um pouco.
Veio “Sun in the Morning”, uma felicíssima “Walking Through that Door”, o hipnotismo genial de “Balance” e todos nós suávamos quase mais que Samuel. O que dizer de Samuel… Estão a ver o personagem dos vídeos no David Letterman? Sim aquele maníaco que dança como se deve dançar (sem preconceitos e feliz), que bate no peito como se não houvesse rei da selva que não ele e que se desmancha em grawling do nada. Esse mesmo. É tal e qual como imaginamos, se não um pouco mais doido ainda. Rodopiou, cuspiu, enfiou as mãos na boca correu de um lado para o outro, tudo, absolutamente tudo o que é humanamente possível de fazer num palco ele fez. Senhoras e Senhoras este tipo é dos melhores frontmen da música moderna.
A meio do concerto o ritmo baixou, pudemos respirar um pouco melhor. Ouviu-se “Before the Bridge”, “Doves” e “Heart Grows Old”, que bonita foi esta última música – o baixo levou-nos pela mão, apressado, até chocarmos com umas teclas trabalhadas, mansinhas que estavam com a bateria que saltitava. Muita calma, muito amor, muita felicidade. Esta foi uma das músicas pedidas por alguém na multidão, e Samuel fez questão de deixar isso vincado. Ainda se seguiu mais alegria pura sobe o formato de Synth-pop maturo. De destacar também a instrumentalização absolutamente incrível durante todo o espetáculo (pena quer às vezes tenha abafado a voz).
Houve tempo para encore e todos só queríamos que o concerto não chegasse ao fim… mas chegou. Imersos num banho de aplausos, gritos e sorrisos, a banda despediu-se, elogiosa para como o público que durante aquela hora e meia os adorou como eles nos adoraram a nós.
Perguntava no início desta crónica se quando as pessoas estão envolvidas num momento histórico, neste caso no mundo musical, se se apercebiam disso mesmo. Se se apercebiam que aquilo a que faziam parte, nessa altura, nesse dia, seria recordado como algo de fantástico, que certamente não será esquecido. Não sei bem. Sei que não se pode comparar um concerto na sala da Rua Nova do Carvalho com o festival americano de 1969, trata-se de algo com dimensões completamente distintas, mas uma coisa sei e posso dizer com à vontade: este concerto de Future Islands será recordado por muito tempo. Se se vier a tornar algo mítico na história da música nacional, isso não sei, mas que para mim será isso, sem dúvida.
[wzslider autoplay=”true” lightbox=”true”]
Fotos gentilmente cedidas por Alípio Padilha